O romance “ A cidade e as Serras “ de Eça de Queiroz, escrito nos finais do
século XIX, parece ser uma visão antecipada de uma realidade que é muito
actual. O Jacinto, protagonista do romance, até aos seus 34 anos, personifica
grande parte da nossa sociedade que vive de e para o progresso tecnológico.
Vivemos numa sociedade de consumo, destruidora de recursos, alheia à
sustentabilidade do planeta, que pensa unicamente no seu bem-estar imediato.
Muitos de nós estão a tornar-se seres amorfos e egoístas que privilegiam a
socialização através das redes sociais em detrimento do contacto físico. Já é
comum numa casa, cada elemento da família encontrar-se isolado dos restantes
elementos, vivendo no ciberespaço ou isoladamente a ver o seu programa de
televisão preferido. Voltando ao Jacinto, este, nasceu e cresceu rico na
vanguardista cidade de Paris e, vivia com a convicção de que a felicidade dependia
da perfeita simbiose entre a cultura e a tecnologia, que a ciência avidamente disponibilizava
para o seu bem-estar pessoal. Era um comprador compulsivo de todos os gadgets
da altura, costumava dizer: “O homem só é
superiormente feliz quando é superiormente civilizado” Na sua casa, o opulento
Nº 202 dos Campos Elísios, Jacinto disponha de Telégrafo, telefone, elevador,
máquina de escrever, conferençofone, teatrofone, máquina de calcular e uma
biblioteca com cerca de 30 mil volumes. Eram festas e
banquetes com a alta burguesia. Contudo, Jacinto mergulhou no mais profundo
tédio e, como filosofava o seu amigo Zé Fernandes “…o homem tornava-se escravo
de uma ilusão infeliz”. O romance acaba com Jacinto vivendo em Portugal, mais
propriamente no baixo Douro em Tormes, antiga terra dos seus avós. Ai descobre
a felicidade na rusticidade e no trivial, começa a apreciar as estrelas, as
cores da natureza o ar da Serra o “ vinho com alma” O arroz com favas melhor
que os pratos gourmets e de lá nunca mais saiu. Hoje temos a televisão com mais
de duzentos canais, jogos digitais, Facebook, Instagram, Youtube e o Google que
tem muito mais informação que os mais de 30 mil volumes da biblioteca do
Jacinto. Tal como o protagonista do romance continuamos a ser consumidores
compulsivos de gadgets, só que com outras designações, hoje são: Tablets,
Computadores, Smartphones, Leitores de MP3 e muitos mais. A mim preocupa-me o
vazio que este tipo de hábitos está a provocar na sociedade. Sou um usuário da
maior parte desta tecnologia e penso que se bem administrada é uma mais-valia
para a humanidade. Mas, não podemos deixar morrer as tertúlias, que já nos
séculos xix e xx faziam parte da intelectualidade Portuguesa, que do cruzar de
ideias e debate de opiniões, surgiram novas formas de pensar a sociedade. As
noites de serão, as discussões pela noite dentro onde dissertam os pluralistas
e os obstinados, nunca foram tão importantes como agora. Após o jantar é
preciso sair de casa, ocupar as mesas dos cafés, filosofar, falar do trivial,
do raro e, contribuir para a mudança que queremos ver no mundo. É necessário
revitalizar o conceito de família que cada vez mais desagregada está a
construir uma sociedade sem valores. No momento em que já é preciso 1, 6
planetas para satisfazer o consumismo, é necessário criarmos um novo paradigma
ecológico. Rapidamente temos que deixar de ser tão virtuais e mais humanos, estarmos
mais juntos, física e espiritualmente. Correremos o risco de calmamente em
casa, através da televisão, assistirmos às imagens da destruição do planeta e,
quando despertarmos não termos a sorte que o jacinto de Tormes teve, descobrir
a felicidade ao meio da natureza, porque ela pode já não existir.
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