Depois de lermos o primeiro livro de José Saramago, este
deveria ser o segundo a ser lido. Ao lermos esta obra composta por imensos
excertos retirados de entrevistas dadas pelo escritor, estamos prontos para
abordar a sua obra e compreender de uma melhor forma o seu pensamento. Gostei e recomendo a leitura
Único escritor de língua portuguesa a ganhar o prémio Nobel,
José Saramago (1922-2010) é um exemplo perfeito do intelectual engajado
preconizado pelo autor de As palavras, Jean-Paul Sartre. Com efeito, a
intervenção na esfera pública, o comprometimento com uma visão crítica do
mundo, a defesa de ideias muitas vezes polémicas, a indignação diante das
injustiças e desigualdades económicas e sociais são características marcantes
de alguém que jamais separou o escritor do cidadão e sempre disse com todas as
palavras o que pensava. Este livro, editado por Fernando Gómez Aguilera,
biógrafo espanhol de Saramago, traz uma ampla selecção de declarações do
escritor extraídas de jornais, revistas e livros de entrevistas, publicados em
Portugal, no Brasil, na Espanha e em diversos outros países, da segunda metade
da década de 1970 até Março de 2009.
Os textos estão organizados cronologicamente no interior de
núcleos temáticos que abrangem as questões mais recorrentes nas manifestações
do escritor. A primeira parte, centrada na pessoa José de Sousa Saramago, reúne
comentários sobre sua infância, a formação autodidacta, a trajectória pessoal,
os lugares onde morou, bem como reflexões sobre si mesmo – o pessimismo, a indignação,
a coerência, a primazia da ética – que traçam o perfil de um escritor sempre
disposto a praticar a introspecção e a compartilhar seu pensamento com a
opinião pública. A segunda parte, em que vem para o primeiro plano a figura do
escritor, traz reflexões sobre o ofício literário que mostram sua plena
consciência dos procedimentos romanescos, concepções pouco ortodoxas para um
comunista sobre as relações entre literatura e política – “não vou utilizar a
literatura para fazer política” – e o papel do escritor na sociedade: “se o
escritor tem algum papel, é intranquilizar”. Na terceira parte, quem fala é o
cidadão José de Sousa Saramago, o crítico, entre outras coisas, da globalização
económica, do “concubinato” dos meios de comunicação com o poder, do consumismo,
do comunismo soviético, da paralisia da esquerda incapaz de inovar, do
conservadorismo da Igreja católica, da postura de Israel em relação aos
palestinos e do irracionalismo generalizado do mundo capitalista. Sua voz clama
pela democracia social plena – não apenas formal e eleitoral -, pelo respeito
integral aos direitos humanos e pelo sagrado direito de espernear: “Ao poder, a
primeira coisa que se diz é não”.
As palavras de Saramago compõem o retrato falado de
um escritor que exerceu seu ofício com o profissionalismo de um operário, a
pertinácia de um militante político, a consciência de um cidadão e a visão
ampla de um verdadeiro intelectual.
Fonte: Fundação José Saramago
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