Reler os Maias é sempre um prazer e um pouco
de tristeza. Prazer pela bela leitura que este romance proporciona e, um pouco
de tristeza por não ter o prazer de o ler pela primeira vez. Embora já o
tivesse lido há muitos anos, tinha na mente as principais passagens deste
magnífico romance. É claro, que atualmente apercebi-me de uma série de
situações, fundamentalmente críticas sociais, que quando o li na minha
juventude não tinham grande significado para mim. Muitos amigos dizem-me: eu
fui obrigado a ler isso na escola, mas não li o livro, só li o resumo. Não
sabem o que perderam. Não vou fazer um resumo do livro, pois já existem tantos,
vou só colocar alguns excertos que achei interessantes e que me tinham passado
despercebidos aquando da primeira leitura.
Achei interessante a abordagem no livro
sobre o ensino. Primeiro o questionar o excesso de carga horária e a utilização
de conteúdos que não têm utilidade. Depois a discussão na assembleia sobre a
inclusão das aulas de ginástica nas escolas a que o Conde Gouvarinho respondeu:
"Creia o digno par que nunca este país retomará o seu lugar à testa da
civilização, se, nos liceus, nos colégios, nos estabelecimentos de instrução,
nós outros os legisladores formos, com mão ímpia, substituir a cruz pelo
trapézio".
Chamou-me também à atenção a referência às
instituições de proteção dos animais que já se faziam ouvir na Europa do seculo
XIX. Também nesta situação Portugal não acompanhava o pensamento dos países
mais evoluídos. Defendia- se que em vez de corridas com cavalos era mais
importante uma boa tourada.
“... Pois é
verdade, tenho esse fraco português, prefiro toiros. Cada raça possui o seu
sport próprio, e o nosso é o toiro: o toiro com muito sol, ar de dia santo,
água fresca e foguetes... Mas sabe o Sr. Salcede qual a vantagem da tourada? É
ser uma grande escola de força, de coragem e de destreza... Em Portugal não há
instituição que tenha importância igual à tourada de curiosos. E acredite uma
coisa: é que se nesta triste geração moderna ainda há em Lisboa uns rapazes com
um certo músculo, a espinha direita, e capazes de dar um bom soco, deve-se isso
ao toiro e à tourada de curiosos...O marquês entusiasmadíssimo bateu palmas.
Aquilo é que era falar! Aquilo é que era dar a filosofia do toiro! Está claro
que a tourada era uma grande educação física! E ainda havia uns imbecis que
falavam em acabar com os toiros! Oh! Estúpidos, acabais então com a coragem
portuguesa! (…) O quê, o toiro? Está claro! O toiro devia ser neste país como o
ensino é lá fora: gratuito e obrigatório”.
Outras frases e referencias de grande
encanto podemos encontrar neste livro.
“ – Falhamos
na vida, menino! – Creio que sim…Mas todo o mundo mais ou menos a falha. Isto
é, falha-se sempre na realidade aquela vida que se planeou com a imaginação”
“É
extraordinário! Neste abençoado país todos os políticos têm «imenso talento»
……..Um país governado «com imenso talento», que é de todos na Europa, segundo o
consenso unânime, o mais estupidamente governado !Eu proponho isto ,a ver: que,
como os talentos sempre falham, se experimentassem uma vez os imbecis”
...
uma senhora alta, loura, com um meio véu muito apertado e muito escuro que
realçava o esplendor de sua carnação ebúrnea. Craft e Carlos afastaram-se, ela
passou diante deles, com um passo soberano de deusa, maravilhosamente
bem-feita, deixando atrás de si como uma claridade, um reflexo de cabelos de
ouro, e um aroma no ar. Trazia um casaco colante de veludo branco de Gênova, e
um momento sobre as lajes do peristilo brilhou o verniz de suas botinas.
Para descrever tudo o que gostei, seriam
precisas muitas folhas, fico por aqui e dou um conselho a que ainda não leu que
leia e, quem já leu que releia, pois por certo que irá encontrar muitas coisas
que passaram despercebidas na primeira vez. E como não há duas sem tês, um dia
mais tarde por certo, vou voltar a lê-lo.
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