sábado, 11 de outubro de 2014

O Almoço

   Após ter saboreado a refeição preferida, joelho de vaca no forno acompanhado por um belo tinto de reserva, iniciava o habitual ritual de preparação do whisky e do charuto.
   Whisky de malte, o seu preferido, com três pedras de gelo, nunca conseguira perceber porque colocava sempre três pedras. O charuto, que fazia questão de manter sempre num humidificador era um Montecristo nº4,que lhe proporcionava quarenta minutos de um grande prazer. Também não sabia porque só comprava o Montecristo, só sabia que sempre que pegava no charuto lembrava-se da história que tinha dado origem a esse nome e, essa história estava ligada a um dos seus livros preferidos, “ O conde de Monte Cristo".
   Costumava dizer, que este era o melhor momento da refeição, pois segundo ele, proporcionava-lhe sensações únicas, que nunca voltavam a repetir-se. Ia até à varanda desfrutar da paisagem e degustar o charuto e o whisky.
  Sentado num cadeirão de vimes, deixava-se levar por terrenos inexplorados, desfrutando de um momento de paz e relaxamento. Começava por olhar para o aglomerado de casas onde se destacava a torre da igreja, logo começava a contemplar o mar. depois fixava os olhos na linha do horizonte e iniciava o seu transe.
   Quem é este homem? Também isso o atormentava e merecia a sua reflexão. Uma vez, numa das suas incursões pelo mundo do sobrenatural, aquando de uma palestra, perguntaram-lhe, quem és tu? Tentando ser honesto, não conseguiu responder e entrou num momento de introspeção. Não sabia se era um espírito num corpo, se era um corpo que tinha um espírito ou era nem uma coisa nem outra. Ou talvez fosse como escreveu Fernando Pessoa “ Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”.
  Ser agnóstico não o ajudava muito, esta filosofia que o acompanhava a maior parte do tempo, tinha como principio não ser possível provar racionalmente a existência de Deus e do sobrenatural, dizia: Pode existir, mas é impossível provar a sua existência! Mesmo sem a convicção dessa existência, tinha longas conversas com a divindade. O facto de não podermos provar a sua existência, não prova a sua inexistência, argumentava.
   Depois de acabar o charuto e o whisky, acomodava-se melhor e entrava naquela fase entre o dormir e o acordado. O espaço entre esses dois estados, segundo ele, proporcionavam-lhe imensas revelações, que quando já totalmente desperto nunca sabia se essas revelações provinham de um sonho ou, de um seu pensamento quando acordado.
   Normalmente levantava-se do cadeirão cheio de energia e com uma estranha sensação de felicidade. Mas nesse dia sentiu-se amargurado e triste, provavelmente pelo que tinha pensado ou sonhado! Durante a meditação, se é que podemos chamar meditação ao que se passava naquele cadeirão.
  Pensou se os animais tinham alma. Se tinham, as almas dos animais seriam diferentes da dele? Ele que tinha lido todos os livros do Alan Kardec, criador da doutrina espírita, lembrava-se de ter lido no “livro dos espíritos” que os animais tinham alma mas que era inferior à do homem, “ entre a alma dos animais e a do homem existia uma distância equivalente à que medeia entre a alma do homem e Deus”.
  Tinha sonhado ou, talvez pensado e visualizado, um prado com imensos animais a pastar, vivendo em plena harmonia. Havia entre eles uma cumplicidade, e até parecia que viviam em grupos familiares. Chamou-lhe a atenção os seus olhares, as suas expressões de sentimentos que revelavam uma sensibilidade que não podia continuar a ser ignorada pela razão humana. Apareceu-lhe diversas vezes na mente o slogan: “ Os animais não são mercadorias”.
  Viu o sofrimento dos animais nos matadouros, as condições degradantes como eram tratados. Todo este sofrimento por causa de comer um naco de carne? Apareceu-lhe na mente os graves problemas por que o planeta estava a passar com a produção industrial dos animais.
 O planeta estava triste e não aquentava por muito mais tempo toda esta agressão. A desflorestação por causa da criação das zonas de pasto, o aquecimento global onde só a pecuária era responsável por grande parte das emissões de gases, a contaminação dos recursos de água potável e gasto deste bem precioso para a rega dos pastos e alimentação dos animais.
  Enfim, dizia ele, este foi o dia em que tomei a decisão de ser vegetariano.