segunda-feira, 26 de setembro de 2016

A Cidade e as Serras


O romance “ A cidade e as Serras “ de Eça de Queiroz, escrito nos finais do século XIX, parece ser uma visão antecipada de uma realidade que é muito actual. O Jacinto, protagonista do romance, até aos seus 34 anos, personifica grande parte da nossa sociedade que vive de e para o progresso tecnológico. Vivemos numa sociedade de consumo, destruidora de recursos, alheia à sustentabilidade do planeta, que pensa unicamente no seu bem-estar imediato. Muitos de nós estão a tornar-se seres amorfos e egoístas que privilegiam a socialização através das redes sociais em detrimento do contacto físico. Já é comum numa casa, cada elemento da família encontrar-se isolado dos restantes elementos, vivendo no ciberespaço ou isoladamente a ver o seu programa de televisão preferido. Voltando ao Jacinto, este, nasceu e cresceu rico na vanguardista cidade de Paris e, vivia com a convicção de que a felicidade dependia da perfeita simbiose entre a cultura e a tecnologia, que a ciência avidamente disponibilizava para o seu bem-estar pessoal. Era um comprador compulsivo de todos os gadgets da altura, costumava dizer: “O homem só é superiormente feliz quando é superiormente civilizado” Na sua casa, o opulento Nº 202 dos Campos Elísios, Jacinto disponha de Telégrafo, telefone, elevador, máquina de escrever, conferençofone, teatrofone, máquina de calcular e uma biblioteca com cerca de 30 mil volumes. Eram festas e banquetes com a alta burguesia. Contudo, Jacinto mergulhou no mais profundo tédio e, como filosofava o seu amigo Zé Fernandes “…o homem tornava-se escravo de uma ilusão infeliz”. O romance acaba com Jacinto vivendo em Portugal, mais propriamente no baixo Douro em Tormes, antiga terra dos seus avós. Ai descobre a felicidade na rusticidade e no trivial, começa a apreciar as estrelas, as cores da natureza o ar da Serra o “ vinho com alma” O arroz com favas melhor que os pratos gourmets e de lá nunca mais saiu. Hoje temos a televisão com mais de duzentos canais, jogos digitais, Facebook, Instagram, Youtube e o Google que tem muito mais informação que os mais de 30 mil volumes da biblioteca do Jacinto. Tal como o protagonista do romance continuamos a ser consumidores compulsivos de gadgets, só que com outras designações, hoje são: Tablets, Computadores, Smartphones, Leitores de MP3 e muitos mais. A mim preocupa-me o vazio que este tipo de hábitos está a provocar na sociedade. Sou um usuário da maior parte desta tecnologia e penso que se bem administrada é uma mais-valia para a humanidade. Mas, não podemos deixar morrer as tertúlias, que já nos séculos xix e xx faziam parte da intelectualidade Portuguesa, que do cruzar de ideias e debate de opiniões, surgiram novas formas de pensar a sociedade. As noites de serão, as discussões pela noite dentro onde dissertam os pluralistas e os obstinados, nunca foram tão importantes como agora. Após o jantar é preciso sair de casa, ocupar as mesas dos cafés, filosofar, falar do trivial, do raro e, contribuir para a mudança que queremos ver no mundo. É necessário revitalizar o conceito de família que cada vez mais desagregada está a construir uma sociedade sem valores. No momento em que já é preciso 1, 6 planetas para satisfazer o consumismo, é necessário criarmos um novo paradigma ecológico. Rapidamente temos que deixar de ser tão virtuais e mais humanos, estarmos mais juntos, física e espiritualmente. Correremos o risco de calmamente em casa, através da televisão, assistirmos às imagens da destruição do planeta e, quando despertarmos não termos a sorte que o jacinto de Tormes teve, descobrir a felicidade ao meio da natureza, porque ela pode já não existir.

domingo, 25 de setembro de 2016

Tens de ser o Melhor

“Tens de vencer, tens que estar entre os melhores”. Esta frase podia se reportar a um atleta de alta competição de uma qualquer modalidade desportiva, mas provavelmente está a referenciar o que poderá ser o lema do estudante do futuro. No desporto, os patamares de exigência foram subindo até um nível que para treinar um atleta, foi necessário criar equipas multidisciplinares com: treinador, psicólogo, fisiologista, fisioterapeuta, biomecânico, nutricionista, utilização de recursos ergogênicos e, em alguns casos, ainda o recurso a substâncias dopantes. Será que uma situação similar um dia ocorrerá na prática estudantil?
A baixa empregabilidade em certos setores e, a exigência do mercado de trabalho, farão com que só os melhores alunos das melhores universidades consigam empregos bem renumerados e de longa duração. Os menos cotados, se conseguirem entrar no mercado de trabalho, provavelmente vão encontrar a precaridade.

Há alguns anos atrás os chamados “ explicadores” eram solicitados para ajudar alguns alunos com dificuldades de compreensão em uma determinada disciplina, hoje, já são um recurso frequente para potenciar o conhecimento em alunos de excelência. O ser bom já não é suficiente, têm de ser os melhores. Na sequência do que aconteceu no desporto é provável, que os alunos venham a ter equipas multidisciplinares de apoio ao estudo e que utilizem substâncias ergogénicas para uma melhor concentração e controle de ansiedade. Por este caminho, o doping aparecerá naturalmente com a utilização de anfetaminas e outros produtos que permitam o aluno estudar 10 ou 12 horas seguidas sem cansaço aparente. A questão é: Será este o tipo de ser humano que queremos construir para a nossa sociedade? Será este o tipo de vida que pretendemos para os nossos filhos? Na minha opinião, é um tema que merece uma rápida reflexão.