sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

A Caverna


Na “Alegoria da Caverna”, Platão imaginou um grupo de homens que vivessem desde a infância num subterrâneo em forma de caverna. Eles estavam virados para uma parede, acorrentados pelos pés e pescoço. Uma forte luz no exterior da caverna permitia aos prisioneiros verem projetadas na parede as sombras do que passava pela frente da abertura da caverna. Como ignoravam o mundo lá fora, essas sombras, eram a sua realidade. Imaginou também: se um desses prisioneiros se soltasse das amarras e fugisse da caverna, o que aconteceria? Ao sair, ficaria ofuscado pela luz e sentiria dores com a claridade. Aos poucos, iria verificando a beleza incrível que havia fora da caverna. Com o passar do tempo é, normal que sentisse a necessidade de voltar à caverna, contar aos companheiros tudo que presenciou e tentar libertá-los. Qual seria a reação dos prisioneiros? Provavelmente não acreditariam nele, considerá-lo-iam louco e matavam-no. A caverna, representa o nosso mundo. Os prisioneiros, são as pessoas que estão presas a preconceitos que vivem no obscurantismo. As sombras projetadas na parede, são as “falsas verdades”. O fugitivo, é aquele que questiona e reflete sobre o mundo em que vive. O lado de fora da caverna, representa a realidade, a forte luz, o conhecimento. O retorno do fugitivo à caverna, representa o educador, o filósofo. Platão nesta metáfora, provavelmente representa a vida do seu mestre Sócrates, filósofo que não se submeteu aos conceitos vigentes e, incentivou as pessoas a uma busca interior, dando mais valor ao aspeto moral que aos bens materiais. Sócrates foi condenado à morte em 399 A.C. com as acusações de: corromper os jovens com a sua filosofia, negar os Deuses do estado e, ameaçar a vida social e politica de Atenas. Passados que foram quatro séculos, foi a vez de Jesus Cristo percorrer o mesmo caminho de Sócrates. Ao desvalorizar o materialismo em prol da espiritualidade e, através de parábolas provocar reflexões sobre a vida, acabou como Sócrates, condenado à morte. Mil e poucos anos depois apareceu a inquisição, que julgou em tribunal mais de 150 mil pessoas, muitas delas acabaram assassinadas, porque pensavam diferente ou não agiam segundo os padrões sociais instituídos. Atualmente, com a implementação da democracia em muitos países, existe uma maior tolerância à opinião contrária e maior liberdade de expressão. Mas, a tradição, a superstição e a ignorância, ainda são armas poderosas de manipulação. Em muitas situações, quem pensa e age diferente ainda é alvo de preconceito e violência. Hoje, tal qual, no tempo de Platão, continua a ser necessário rebentar as amarras, sair da caverna, ver a realidade e, mesmo correndo riscos, retornar à caverna, contar as boas novas e, tentar soltar os prisioneiros. Bem hajam, todos aqueles que já saíram da caverna e, que mesmo num ambiente de hostilidade, promovem o caminho para a dignidade humana e animal, que lutam contra a pobreza, protegem o meio ambiente e têm um modo de vida sustentável. Benditos, aqueles que se preocupam e dedicam ao bem da humanidade e, com os seus gestos conseguem influenciar os outros.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Midllemarch de George Eliot


George Eliot é o pseudónimo de Mary Ann Evans, que adotou um nome masculino para criar as suas obras.” Meddlemarch: um estudo da vida provinciana” é um livro para ir degustando calmamente, com o prazer que só os bons livros nos podem dar. É uma obra obrigatória para os amantes da leitura, não só por ser considerado pela critica especializada como um dos melhores livros do século XlX, mas, também por nele serem dissecadas de forma sublime as diversas facetas do comportamento humano. Antes de começar a ler as mais de 800 páginas de Meddlemarch e, como sempre faço com escritores que leio pela primeira vez, fiz alguma pesquisa biográfica sobre George Eliot, tendo lido algumas referencias que me deixaram surpreendido, como por exemplo; compará-la a Liev Tolstói. É claro que achei um exagero e, não valorizei essas opiniões. Mas, agora que acabei de ler Meddlemarch, digo que fiquei agradavelmente surpreendido e que George Eliot, nesta obra, ombreia efetivamente com os grandes nomes da literatura mundial. É uma grande obra, com um realismo extraordinário. Não vou escrever sobre as personagens nem sobre a história, vou apenas colocar uns breves excertos de forma a aguçar a curiosidade sobre este magnifico livro.

“O carácter não é uma peça de mármore…Não é algo de sólido e inalterável. É algo que está vivo e se transforma, e pode adoecer como também acontece com o nosso corpo”

“…. Houve grande regozijo na antiquada sala de estar, e até os retratos dos magistrados célebres pareciam observar a cena com satisfação…”

“Os obstáculos mais terríveis são os que ninguém pode ver, exceto nós mesmos”

“Passa o tempo a tentar tornar-se aquilo que o marido desejava sem nunca chegar ao repouso de o saber contente com aquilo que era” 

Ao último capitulo do livro, George Eliot deu o nome de: “Conclusão” que termina desta magnifica forma:

“Mas o efeito do seu ser sobre os que a rodeavam teve um alcance incalculável: porque a multiplicação do bem no mundo depende em parte de atos que não são históricos; e se, tanto para o leitor como para mim, as coisas não são tão más como seria possível que tivessem sido, devemo-lo em boa medida àqueles que viveram fielmente uma vida desconhecida, e que repousam em sepulturas que não visitamos”

(Uma dica: Quando comecei a ler o livro, imprimi uma “cábula” da Wikipédia, enciclopédia livre, que tem uma discrição muito boa de 22 personagens que fazem parte desta história e, que por vezes quando andava um pouco perdido com as diversas ligações entre as personagens, foi um documento muito útil)

 

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

A Desculpa


Existe a desculpa esfarrapada cujo expoente é a famosa frase: “eu não tenho culpa, a culpa é do meu signo”, a desculpa religiosa “a culpa é do diabo, foi ele que me tentou” e a desculpa cientifica, “A culpa é do Gene “.  A desculpa é transversal a toda a sociedade, desde o trivial ao argumento mais sofisticado, existem desculpas para todos os gostos. No parlamento brasileiro uma deputada expressou de forma convicta: “A corrupção está no DNA do brasileiro”. É sobre a desculpa científica que vou tecer algumas palavras neste artigo. Não me querendo imiscuir numa área que não domino, limito-me a referenciar somente o que a um leigo é permitido. O DNA é constituído por cromossomas que por sua vez são constituídos por genes. Os genes são um género de manual de instruções codificadas. A nossa herança biológica, (hereditariedade) é transmitida pelas características codificadas nos genes. Segundo o biólogo Dawkins, os genes é que criaram o nosso corpo e a nossa mente. Compreendendo a parte biológica dos genes, já não é tão claro, que sejam eles os responsáveis pelas nossas atitudes, perfil psicológico, emoções, opções morais e éticas. É comum a expressão: “Não podemos fazer nada, ele é assim, faz parte da sua genética (feitio)”. O geneticista Dean Hamer, depois de já ter mencionado um gene responsável pela homossexualidade, mais propriamente o cromossoma x secção xq28, saiu recentemente com um livro (O gene de Deus) que revela o gene (Vmat2) como responsável pela fé religiosa. Embora não explique se foi esse gene responsável pelo homem criar Deus ou se foi Deus que criou esse gene para o homem saber da sua existência. Também um estudo efectuado na Finlândia revelou dois genes que podem estar ligados à violência. Já se identificou o gene do alcoolismo e, até o da promiscuidade e da infidelidade. Ou seja, nós não somos responsáveis pelas nossas ações, mas umas “pobres” vítimas dos genes. É claro que estes argumentos já estão a ser utilizados habilmente pelos advogados para redução de penas. Acredito no livre arbítrio filosófico, doutrina que afirma: “o ser humano é livre de escolher ou decidir em função da sua própria vontade, estando isento de qualquer condicionamento prévio ou causa determinante” Acredito na educação que por sua vez produz o respeito. Acredito na consciência e, não acreditando na religião, acredito na espiritualidade. O corpo não é simplesmente uma máquina para a sobrevivência e transmissão dos genes é, também uma entidade para o desenvolvimento do espírito. O que provoca o alcoolismo não é o gene é, a infelicidade e a miséria humana. Os cerca de 800 milhões de pessoas ameaçados de morte por causa da fome, devido ao desperdício de alimentos. Os 60 biliões de animais mortos por ano nos matadouros, o aquecimento global, a infestação dos produtos agrícolas com químicos e toda a destruição da natureza, as guerras para fomentar a venda de armas, a precariedade no emprego e desigualdades sociais, nada disto tem desculpa, a culpa não é dos genes, dos signos ou do diabo é da estupidez humana, que como Einstein disse: “É infinita”.