sexta-feira, 23 de outubro de 2020

E se for Verdade

E se for verdade que existe reencarnação, que existe uma lei do karma que estabelece que todo o bem ou mal que tenhamos feito irá trazer consequências boas ou más nesta vida ou nas próximas existências? Se tudo isto fosse comprovado cientificamente mudaríamos a nossa forma de agir? Se soubéssemos que quem viria depois de nós seriamos nós mesmos, qual seria a nossa postura? Ian Stevenson foi um cientista que na Universidade de Virgínia criou uma equipa de trabalho com médicos e psicólogos para estudar a reencarnação. Com um método, o mais científico possível, analisou a veracidade do que certas crianças contavam descrevendo a vivência de uma vida anterior num sítio completamente diferente e aparentemente impossível de terem conhecimento. Eram analisadas todas as possibilidades das crianças em questão terem tido conhecimento do que contavam através de familiares, filmes que tivessem visto, livros que pudessem ter lido ou se inclusivamente havia imigrantes na zona. Desde que houvesse alguma relação das narrativas com os itens analisados o caso era logo abandonado, em caso contrário davam continuidade ao estudo deslocando-se ao local onde a criança dizia ter vivido, investigando se teria havido nesse local alguém com as caraterísticas que a criança mencionava e se com essa pessoa teria acontecido o que a criança narrava. Neste estudo com mais de 40 anos de investigação foram analisados em diversas partes do mundo mais de 3000 casos e em 68% encontraram uma conexão com a história relatada. Estes dados são suficientes para afirmarmos que existe uma outra vida após a morte? É claro que não. As pessoas precisam de uma comprovação científica para tudo. O facto deste tipo de estudo não poder ser comprovado e replicado em laboratório faz com que não tenha uma aceitação científica. Na sua obra Critica da Razão Pura, Kant diz:” existem coisas que nem a razão nem a experiência podem conhecer. Uma delas é Deus”, mas é intrínseco do Homem a investigação da causalidade, foi isso que levou Aristóteles a criar o quadrado lógico ou tábua das oposições, onde estabeleceu regras para um entendimento lógico de tudo o que existe. Baseado na lógica aristotélica, São Tomás de Aquino cria as 5 vias onde prova racionalmente a existência de Deus. A ciência não consegue provar que existe vida após a morte, mas também não consegue provar que não existe. Eu não convivo com a visão de que sou apenas um aglomerado de octiliões de átomos e trilhões de células, preciso de algo mais transcendental para dar um sentido à vida. Eu não procuro a verdade, pois como dizia Agostinho da Silva: “quem tem a verdade num bolso, tem sempre uma inquisição do outro lado pronto para atacar alguém”, prefiro o questionamento filosófico. Assim como Santo Agostinho adaptou o pensamento de Platão aos preceitos da Igreja, eu busco na filosofia a arte do conhecimento que coloca em questão o próprio conhecimento e que me ajuda a ter um pensamento muito próprio. Termino com duas citações: Dostoievski no seu romance Os Irmãos Karamazov: “Se Deus não existe tudo é possível?” e Álvaro de Campos no seu poema Tabacaria: “Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?”

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Dr. Fausto

O nome Fausto está ligado a algumas das grandes obras literárias, musicais e de pintura. Consta que Fausto era uma pessoa sedenta de conhecimento o que o levou a estudar medicina, alquimia, astrologia e magia. Também se diz que tinha os dons da adivinhação e charlatinice, qualidades estas que fizeram dele um homem muito rico. Fausto era alemão e tornou-se muito conhecido ao percorrer várias localidades da Alemanha fazendo curas e prevendo o futuro. Von D Johann Faosten (Fausto) viveu entre 1480 e 1540 na transição da idade média para a idade moderna, período onde grassava o misticismo. Os seus prodígios e o facto de Fausto não ser um homem temente a Deus, ajudou na criação da lenda de ter vendido a alma a Mefistófeles (diabo) a troco dos poderes sobrenaturais que dispunha. A lenda de Fausto atinge o seu apogeu e uma dimensão mundial na obra” Dr. Fausto” do grande poeta e escritor alemão Goethe. Mais tarde, Thomas Mann prémio nobel da literatura escreveu uma das suas maiores obras “Dr. Fausto” sobre o mesmo tema. Nesta obra, Thomas Mann conta a história de um individuo que faz um pacto com o diabo para conseguir com a sua ajuda cumprir todos os seus desejos, em troca, o diabo proíbe essa personagem de amar. Este romance que começou a ser escrito em 1943 e foi publicado em 1947, é uma analogia ao povo alemão que fez um pacto com Hitler (diabo) ficando incapaz de amar (amor cristão) em troca do domínio do mundo e criação de uma raça pura. Mas o que será que leva tantos escritores a se dedicarem a esta barganha Faustiana de “Vender a alma ao diabo”. Provavelmente é o paradoxo humano de trocar o bem pelo mal. A obra continua atual, pois os pactários que negoceiam o seu caráter numa busca egoísta pelo dinheiro e fama proliferam cada vez mais na nossa sociedade. A frase “vão-se os anéis, mas ficam os dedos” para muitos deixou de fazer sentido, parece preferirem perder os dedos, mas ficar com os anéis. O conceito de uma vida após a morte, a conquista do paraíso, do céu ou a infelicidade do inferno, não faz parte da sociedade atual, o futuro passou a ser simplesmente o agora (Carpe diem). Então como viver no pouco tempo de vida que temos? Criou-se a ideia de consumo fácil e rápido e de que quanto mais se consumir mais felizes seremos. Este tipo de felicidade tem criado uma sociedade depressiva. O hedonismo regressou em força, esta filosofia que coloca o prazer como o bem supremo da vida está de volta, não o hedonismo mais moderado de Epicuro, mas o mais radical, o do seu fundador Aristipo. Para contrariar estes excessos está a emergir, ainda que de forma envergonhada, o Minimalismo uma opção de vida que sem prescindir de uma boa qualidade de vida e conforto incentiva as pessoas a se libertarem dos excessos, abdicar de bens materiais que não têm um propósito, colocando a sustentabilidade no centro das nossas vidas. Não deixemos um rasto de destruição e dor na busca egoísta de uma suposta felicidade, até porque a velha pergunta filosófica: A felicidade existe? Nunca teve uma resposta concreta. Não vale a pena vender a alma ao diabo.