terça-feira, 30 de outubro de 2018

O dilema do porco- espinho


Num dia frio de inverno,vários porcos-espinho ​​amontoaram-se à procura de calor; mas, quando começaram a se picar com seus espinhos, foram obrigados a se afastarem. No entanto, o frio fazia com que voltassem a se reunir, porém, afastavam- se novamente. Depois de várias tentativas, perceberam que poderiam manter certa distância uns dos outros sem se dispersarem. Do mesmo modo, as necessidades sociais, a solidão e a monotonia impulsionam os “homens porcos-espinho” a se reunirem, apenas para se repelirem devido às inúmeras características espinhosas e desagradáveis das suas naturezas. A distância moderada que os homens finalmente descobrem é a condição necessária para que a convivência seja tolerada; é o código de cortesia e boas maneiras. Aqueles que transgridem esse código são duramente advertidos, como se diz na Inglaterra: keep your distance! Com esse arranjo, a necessidade mútua de calor é apenas parcialmente satisfeita, mas pelo menos não se magoam.Um homem que possui algum calor em si mesmo prefere permanecer afastado, assim ele não precisa ferir outras pessoas e também não é ferido.

 Schopenhauer

 

O Deus de Espinosa




“Pára de ficar rezando e batendo no peito! O que eu quero que faças é que saias pelo mundo e desfrutes da tua vida. Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que eu fiz para ti. Pára de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa. A minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. Aí é onde eu vivo e, aí expresso o meu amor por ti. Pára de me culpar da tua vida miserável: eu nunca te disse que há algo de mau em ti ou que eras um pecador, ou que tua sexualidade fosse algo mau. O sexo é um presente que eu te dei e com o qual podes expressar o teu amor, teu êxtase, tua alegria. Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer. Pára de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo.
Se não podes me ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar dos teus amigos, nos olhos do teu filho... Não me encontrarás em nenhum livro! Confia em mim e deixa de me pedir. Tu vais me dizer como fazer o meu trabalho? Pára de ter tanto medo de mim. Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo. Eu sou puro amor. Pára de me pedir perdão. Não há nada a perdoar. Se eu te fiz... se eu te enchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio, como posso te culpar se respondes a algo que eu pus em ti? Como posso te castigar por seres como és, se eu sou quem te fez? Crês que eu poderia criar um lugar para queimar a todos meus filhos que não se comportem bem, pelo resto da eternidade? Que tipo de Deus pode fazer isso? Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei; essas são artimanhas para te manipular, para te controlar, que só geram culpa em ti. Respeita o teu próximo e não faças aos outros o que não queiras para ti. A única coisa que te peço é que prestes atenção à tua vida, que o teu estado de alerta seja teu guia. Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso. Esta vida é a única que há aqui e agora, e a única que precisas. Eu te fiz absolutamente livre. Não há prêmios nem castigos. Não há pecados nem virtudes. Ninguém leva um placard. Ninguém leva um registo. Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno. Não te posso dizer se há algo depois desta vida, mas posso te dar um conselho: vive como se não o houvesse. Como se esta fosse a tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir. Assim, se não há nada, terás aproveitado a oportunidade que te dei. E se houver, tem a certeza que eu não vou te perguntar se foste bem-comportado ou não. Eu vou te perguntar se tu gostaste, se te divertiste... do que mais gostaste? O que aprendeste? Pára de crer em mim, crer é supor, adivinhar, imaginar. Eu não quero que acredites em mim. Quero que me sintas em ti. Quero que me sintas em ti quando beijas tua amada, quando agasalhas a tua filha, quando acaricias o teu cachorro, quando tomas banho no mar. Pára de louvar-me! Que tipo de Deus ególatra tu acreditas que Eu seja? Aborrece-me que me louvem. Cansa-me que agradeçam. Tu te sentes grato? Demonstra-o cuidando de ti, da tua saúde, das tuas relações, do mundo. Te sentes olhado, surpreendido?... Expressa tua alegria! Esse é o jeito de me louvar.    Pára de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te ensinaram sobre mim. A única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo, e que este mundo está cheio de maravilhas. Para que precisas de mais milagres? Para que tantas explicações? Não me procures fora! Não me acharás. Procura-me dentro de ti...aí é que estou."

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

O Fantasma da Ópera


Na sequência de uma conversa, perguntaram se eu era mesmo vegetariano. Eu respondi que sim. “Eu também gostava de ser, não acho bem o que fazem aos animais, mas a vida é curta e temos que aproveitar todos os prazeres, não consigo prescindir do prazer de comer carne e peixe”. Esta observação fez-me lembrar a análise que ouvi de uma professora de filosofia, Lúcia Galvão da Nova Acrópole, sobre o musical “O Fantasma da Ópera”. A filósofa analisando a obra numa perspetiva metafórica, interpreta a história como uma luta entre a essência humana e o apego material. Contextualizando,” O Fantasma da ópera” é um romance francês de Gaston Leroux publicado em 1910, com várias adaptações para o teatro e cinema, sendo o musical mais visto de sempre, por mais de 140 milhões de pessoas. Os principais protagonistas são: Erik o fantasma, que por ter o rosto deformado usa uma máscara e vive nos subterraneos da ópera, Christine a quem o fantasma através das suas lições de canto ajuda a transformar-se numa grande soprano e, Raoul um amigo de infância de Christine, que é o patrocinador da ópera. A narrativa conta-nos o amor que o fantasma (Erik) e Raoul têm por Christine e a indecisão desta sobre por quem optar. O fantasma (Erik) que numa primeira fase não tinha uma presença física perante Christine, pois ela só ouvia a sua voz, a que chamava “a voz do anjo da música”, representa o mundo das verdades o desenvolvimento espiritual a verticalidade. Ele era um génio, mas pela sua deformação física, era negado pelos homens e vivia escondido nos subterrâneos escuros do teatro. Raoul, representa o ego, o mundano a banalidade os prazeres efémeros a horizontalidade. Christine vivia crucificada entre estes dois mundos, tal como a maior parte de nós, vivia no conflito do dualismo, espírito/ matéria, bem /mal. Enquanto Christine, só ouvia a voz do fantasma, as palavras deste eram maravilhosas, cheias de brilho, mas, quando viu o rosto de Erik e soube que era ele o assassino de algumas pessoas do teatro, que lhe queria roubar os prazeres da vida, chama-o de monstro. O que Erik matou são as superficialidades, “as distrações do palco da vida”, que impedem de sermos a nossa verdadeira essência. Por vezes, fazemos algo que vai contra a nossa consciência, sentimos remorsos, sentimos essa luta que Christine travou, entre o certo e o errado que traz benefícios materiais. É normal colocarmos máscaras na nossa face, a maior parte de nós foi educada assim. Mas, como diz na peça: “Ainda que tenhas muitas máscaras a tua verdadeira face, a tua essência humana, ainda te perseguirá”. Christine optou por Raoul (a vida feliz cheia de futilidades), é o que a maior parte de nós faria. Quando confrontamos a nossa consciência, achamo-la um monstro, com as nossas debilidades e vícios não estamos preparados para ver o seu rosto e colocamo-la nas caves escuras do nosso intimo. E como disse a pessoa que me interpelou, “A vida é curta e temos que aproveitar todos os prazeres”. O ideal, seria aproveitar a vida, mas sem ter medo de olhar a face da nossa consciência.

terça-feira, 7 de agosto de 2018

Vivendo na Matrix


Matrix não é apenas um filme de ficção e lutas é, acima de tudo um tratado filosófico. É uma metáfora, que através dos seus principais protagonistas: Neo e Morpheus, leva-nos a uma profunda reflexão. Mas o que é a Matrix? Morpheus explica:” Matrix está em toda a parte. É o mundo que acredita ser real para que não se perceba a verdade, que somos escravos, que nascemos num cativeiro, numa prisão que não se pode ver, cheirar ou tocar, uma prisão para a nossa mente”. Num outro diálogo Morpheus diz: “A Matrix é um sistema. Esse sistema é nosso inimigo. Mas quando você está dentro, você olha em volta, o que você vê? Homens de negócio, professores, advogados, carpinteiros. As próprias mentes das pessoas que estamos tentando salvar. Mas até que o façamos, essas pessoas são ainda uma parte do sistema e isso as torna nossas inimigas. Você precisa entender que a maioria dessas pessoas não está pronta para ser desconectada. E muitas delas estão tão acostumadas, tão irremediavelmente dependentes do sistema, que lutarão para protegê-lo”. A película alerta-nos para um mundo onde somos manipulados, induzidos a pensar e agir em prol de um sistema. Desde a infância somos programados para colocar a nossa energia à disposição desse sistema, através de dois procedimentos: produzir e consumir. A programação começa com a família, continua na escola, fundamenta-se na religião, instrumentaliza-se nas organizações políticas e sociais, tem o seu apogeu no ensino universitário, rentabilizando-se no trabalho. Sair do sistema é doloroso, tudo está programado de forma a dificultar a saída. Quando Neo sai da Matrix pergunta a Morpheus porque é que lhe doem os olhos, este responde “Nunca os usaste antes”. Este é o sistema que tem como principal propósito, ganhar muito dinheiro. Mensurado principalmente pelo Produto Mundial Bruto (PMD) que é a soma do Produto Interno Bruto (PIB) de todos os países, só nesta rubrica gera anualmente mais de 70 triliões de dólares. Os países são constantemente incentivados a aumentar o (PIB) e, para que isso aconteça, utilizam mecanismos de incentivo à produção e consumo desmesurado. Este consumismo, onde o muito é sempre pouco, está a destruir o Planeta. O Overshoot day (dia da sobrecarga do planeta) mede quanto tempo levamos a gastar o que a terra produz num ano. Em 2018, esse dia, aconteceu no dia 1 de agosto, ou seja, gastamos em 8 meses o que a terra é capaz de produzir num ano. Para que o sistema, continue com a sofreguidão em aumentar os triliões é, importante que as pessoas não pensem diferente, se possível, que não pensem, produzam e consumam, simplesmente. Não podemos combater a “Matrix” ela é muito forte e acabará por nos destruir. Sócrates o filósofo, Jesus Cristo e todos aqueles que tentaram enfrentar o sistema, incentivando as pessoas a pensarem, foram condenados à morte ou tiveram que renunciar aos seus pensamentos como aconteceu com Galileu. Não podemos combater, mas podemos criar um sistema próprio e não sermos totalmente cúmplices da destruição que estamos a presenciar. Como?  Com pequenas mudanças no nosso comportamento do dia a dia.

sexta-feira, 22 de junho de 2018

A Energia Criadora


Numa entrevista ao Filósofo português Agostinho da Silva, o entrevistador pergunta se ele acredita na existência de Deus, ao que Agostinho responde: “É preciso que o meu amigo me diga o que é essa coisa de Deus para si?”. Na troca de galhardetes entre entrevistador e entrevistado, Agostinho acaba por explicar que essa ideia de Deus que aparece nas religiões e, para não haver tanta confusão, poderia ser substituída por “criatividade absoluta”. O entrevistador insiste: “é nisso que acredita?” Agostinho responde: “Não acha que seria esquisito eu acreditar que existem coisas criadas e não acreditar na criatividade?” A metafísica faz parte do pensamento humano e, a filosofia trouxe as questões que até hoje inquietam a humanidade: quem somos, de onde viemos, para onde vamos, qual o verdadeiro sentido da vida? Platão na sua teoria diz que antes de existir o Universo tal qual o conhecemos, só existiam ideias, a que chamou “Mundo das ideias”, um Mundo inteligível onde tudo é perfeito e imutável. Segundo o filósofo, esse é o Mundo real, que uma energia criadora materializou, criando o Mundo tal qual o conhecemos, que chamou de: “sensível ou material”. Tudo o que existe são cópias dessa realidade, que é o “Mundo das ideias” e, por serem cópias são imperfeitas. O objetivo dessas cópias é aproximarem-se o mais possível dos seus arquétipos, caminhar em direção à perfeição, ou, dizendo por outras palavras, diminuir a distância que existe entre o material e o divino. A ciência tenta responder às perguntas dos filósofos, são sondas que vagueiam pelo espaço, observações com enormes telescópios, aceleradores de partículas, mas as respostas podem não estar tão longe, podem estar na introspeção, na viagem ao nosso interior. Provavelmente, tudo o que existe tem uma razão para existir e deve cumprir a função para que foi criado. Nós humanos, devemos cumprir a missão que a natureza nos destinou, que é sermos humanos, na verdadeira essência da palavra. A humanidade tem a responsabilidade de ser a guardiã do planeta e, não pode agir como se fosse uma célula cancerígena do mesmo. Estamos a destruir a harmonia em que o mundo foi criado e onde tudo se completa. Os recursos básicos da espécie humana dependem da biodiversidade que não estamos a preservar. Muitos falam da seleção natural, da lei do mais forte, do gene egoísta, mas estão cegos, não vendo que estes argumentos têm servido para justificar as mais bárbaras atrocidades. Hoje existem 20 milhões de seres humanos em risco de fome extrema num mundo de abundância. A miséria humana não é o caminho para a evolução. Acredito no homem poeta, filósofo, espiritualista e, que este homem nos irá conduzir a um mundo melhor. Está escrito no templo de Apolo em Delfos” Conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o Universo, porque se o que procuras não achares primeiro dentro de ti, não acharás em lugar algum”. Cada um dentro de si tem a solução para a construção de um mundo melhor. Porque não, começar já?

sexta-feira, 25 de maio de 2018

A Borboleta

                                               



Imaginei-te
Apareceste
Fui eu que te criei
Fiz-te bela e livre
Dei-te asas
Criei um jardim
Agora, cá do meu recanto
Fico a ver-te voar entre as flores
 
 
Adriano Gonçalves










 

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Fanático


Fanus é uma palavra de origem grega. significa templo. “fanaticus”, adjetivava os frequentadores de Fanus, mas, cujos aspetos passionais e emocionais superavam o equilíbrio racional. A palavra “fanaticus” deu origem à palavra fanático. Hoje, fanático classifica quem de forma intolerante defenda qualquer tipo de causas ou ideias, utilizando se necessário, a violência para converter ou destruir os que não as aceitam. Mas, não devemos confundir fanatismo, com quem de forma abnegada e educada argumenta defendendo ideais. O fanatismo, transporta consigo a irracionalidade e a violência, seja ela física ou verbal. O fanatismo desportivo, político, racista e religioso, tal qual uma doença contagiosa, vêm contaminando as sociedades. No fanatismo desportivo, um espetáculo onde deveriam ser apreciados os dotes artísticos dos intervenientes, perante o fanático é um aspeto irrelevante, só a vitória interessa. Nas bancadas, numa euforia desmedida, lançam-se os mais grosseiros impropérios a outros espetadores e aos intervenientes no jogo. Por vezes, as agressões verbais transbordam para agressões físicas, alteram o seu estado anímico em função de um simples resultado desportivo. O fanático não desfruta do espetáculo é: o mau humor, as noites mal dormidas da derrota, a alegria desmesurada da vitória. O fanatismo político tem repercussões piores. O fanático político defende com ferocidade as suas opiniões, não tem contemplações com amigos ou familiares. A sua verdade é suprema. O seu fanatismo é aproveitado pelos políticos habilidosos. Este fanático é colocado nas primeiras filas das manifestações, participa nos congressos e todos os tipos de reuniões partidárias, é dos que nas campanhas eleitorais, provoca o confronto físico com as campanhas adversárias. O fanatismo racista e xenófobo é hediondo. Normalmente é composto por pequenos grupos de fanáticos que atacam minorias. Neste tipo de fanatismo existe uma tentativa de desvalorizar um determinado grupo social devido a alguma característica física. Fomenta o preconceito, incentiva o ódio e a rejeição contra diferentes grupos étnicos. Todo o tipo de fanatismo é desnecessário e deve preocupar, mas o fanatismo religioso, além de desnecessário é o mais perigoso. O fanático religioso tem a ideia da proteção divina e tudo o que faz é em nome de Deus. Ele convence-se que as suas atitudes são inspiradas por uma força superior e, quando faz algo de errado, sente-se absolvido por essa força. Ao longo dos séculos e até aos dias de hoje, têm-se cometido as maiores sevicias através do fanatismo religioso. Outros tipos de fanatismo, embora não sendo tão perigosos, preocupam-me, casos do fanatismo ecológico e da defesa dos animais, pois esse tipo de comportamento afasta pessoas de bom senso do envolvimento nestas causas. Só a educação pode combater o fanatismo, a educação começa em casa, bons exemplos resultam em bons comportamentos. Ao menor sinal desta “doença” devemos atuar, pois ela aparece muito subtilmente e, rapidamente toma proporções enormes.

sexta-feira, 27 de abril de 2018

Ser Importante


À pergunta arrogante: mas você sabe quem eu sou? Você sabe com quem está a falar? O filósofo brasileiro Mário Cortella responde mais ou menos assim: sei, você é um entre 7,5 biliões de indivíduos, pertencente a uma única espécie, entre outros 30 milhões de espécies que habitam um pequeno planeta, que gira em volta de uma estrela mediana, que é uma entre 100 biliões de estrelas que fazem parte de uma galáxia, entre outros 200 biliões de galáxias que existem num dos universos possíveis e que um dia vai desaparecer. E acaba esta dissertação dizendo: ainda assim você acha-se importante? É claro que esta resposta se destina a quem tem um comportamento arrogante por se considerar superior. A história da humanidade relata-nos as imensas personalidades que deram grandes contributos nas mais diversas áreas e, na defesa de causas com grandes benefícios para a humanidade. Muitos desses famosos, perpetuam a sua imagem em estátuas e nos compêndios, alguns eu admiro, agradeço o que fizeram, mas não são importantes para mim. Ser importante, para mim, tem um sentido muito mais íntimo. Analisando o sentido etimológico da palavra Importante, a sua origem é do latim importare (in + portar) o prefixo in significa dentro e portar significa transportar. Ou seja, uma pessoa importante é aquela transportamos para dentro de nós, que levamos no nosso “coração”. É alguém que nos faz falta, que esteve connosco quando mais precisamos, é quem nunca esqueceremos. Feliz aquele que tem no seu pai, mãe, cônjuge, filhos, pessoas importantes para si. Feliz quem consegue ter “amigos” que na verdadeira essência da palavra são pessoas importantes. Triste quem não faz falta a alguém. Triste aquele que pela vida que levou não tem a quem revelar a sua tristeza. Tchékhov num dos seus contos, fala do concheiro Iona a quem lhe tinha morrido o filho e que no seu enorme desgosto precisava de falar com alguém no sucedido, mas ninguém tinha vontade de o ouvir. Então, numa noite em que não conseguia dormir dirigiu- se à cavalariça e começa a falar com a sua égua: “É assim a vida, eguazinha amiga... já cá não está o Kuzmá Iónitch…. Entregou a alma ao Criador… De repente, sem mais nem menos apagou-se …. É assim: digamos que tu tens um potrinho, que és a mãe do potrinho…E de repente, é um supor, o teu potrinho entrega a alma ao Criador…Grande pena, não era? A égua mastiga, ouve e respira para as mãos do dono. Iona não tem mão em si e conta-lhe tudo” Podemos acabar como o cocheiro Iona, sem sermos importantes para alguém, agarrados a um animal de estimação, ou simplesmente colocados num Lar ou abandonados num Hospital sem alguém que nos queira ouvir. Precisamos sair de dentro de nós, para que os outros nos possam “importar” e tornar-nos importantes. Façamos obra, lutemos por causas, não habitemos dentro duma redoma. Sejamos bons seres humanos e exteriorizemos essa condição de forma a podermos gravar o nosso nome no coração de outras pessoas. É importante sermos importantes.

sexta-feira, 6 de abril de 2018

Ídolos


Desde os primórdios que a escrita faz alusão à idolatria. Um texto bíblico do antigo testamento, conta que o rei da Babilónia Nabucodonosor pediu ao profeta Daniel para lhe decifrar o seguinte sonho: “Uma estátua alta e muito brilhante com uma aparência impressionante. A cabeça da estátua era de ouro maciço, o peito e os braços eram de prata, o ventre e as coxas de bronze, as pernas de ferro e os pés parte de ferro e parte de barro. Uma pedra desprendeu-se da montanha, e veio bater nos pés da estátua quebrando-os”. E claro, toda a estátua se desmoronou. Consta que provém desta história a frase: “Ídolos com pés de barro”. Embora esta história tenha mais de 2600 anos, pode servir de reflexão para a atualidade onde como nunca se promovem Ídolos. A economia através das técnicas de marketing e utilizando os mais avançados meios de comunicação faz do ídolo, um produto que tenta rentabilizar financeiramente. É demais evidente a tentativa de idolatrizar o mais possível. Esta, é uma ação socialmente perigosa, porque os jovens, têm a tendência de imitar os comportamentos dos seus ídolos, sendo muitos deles inadequados. Proliferam as referências aos comportamentos desviantes dos chamados “ídolos com pés de barro”, heróis vitimas do infortúnio, provavelmente por terem sido colocados num pedestal, para o qual não estavam preparados. São medalhas devolvidas devido à utilização do doping, internamentos para desintoxicação devido ao consumo de drogas, violência doméstica, alcoolismo, prostituição, enfim, um sem-números de situações que põem a descoberto o quanto falível é o ser humano, para ser elevado a Ídolo e venerado. É preciso destruir este ídolo que bloqueia a inteligência humana. Cultuar cega e, não nos deixar ver o outro, ficamos obcecados. Onde poderíamos ver a grandeza da diversidade humana, vemos simplesmente aquele que para nós está acima de tudo. É natural gostarmos, valorizarmos e reconhecermos o valor daqueles que são exímios na sua arte, que atingiram a excelência. É bom examinarmos os seus percursos, aprender com eles, retermos o útil, mas, não venerar essas personalidades. A idolatria não deixa ver que existem cidadãos anónimos, gente honesta, culta, inteligente e humilde, que são verdadeiros exemplos para todos. Estes não têm campanha de marketing, mas são tão ou mais importantes que as celebridades. Não têm uma plateia pela frente, mas são exímios na arte de: “construir um mundo melhor”. Gente altruísta, que depois de um dia árduo de trabalho anda pelas ruas ajudando os sem abrigo, distribuindo alimentos. Alguns arriscando a vida nos campos de refugiados, nos lugares mais inóspitos do planeta, ajudando quem mais precisa. Outros, “comendo o pão que o diabo amassou” para sustentar uma família, dar formação e educação aos seus filhos. Estes nunca serão ídolos, nunca saberemos onde é a sua campa para os ir visitar, mas são a base da construção de uma sociedade melhor.     

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

A Caverna


Na “Alegoria da Caverna”, Platão imaginou um grupo de homens que vivessem desde a infância num subterrâneo em forma de caverna. Eles estavam virados para uma parede, acorrentados pelos pés e pescoço. Uma forte luz no exterior da caverna permitia aos prisioneiros verem projetadas na parede as sombras do que passava pela frente da abertura da caverna. Como ignoravam o mundo lá fora, essas sombras, eram a sua realidade. Imaginou também: se um desses prisioneiros se soltasse das amarras e fugisse da caverna, o que aconteceria? Ao sair, ficaria ofuscado pela luz e sentiria dores com a claridade. Aos poucos, iria verificando a beleza incrível que havia fora da caverna. Com o passar do tempo é, normal que sentisse a necessidade de voltar à caverna, contar aos companheiros tudo que presenciou e tentar libertá-los. Qual seria a reação dos prisioneiros? Provavelmente não acreditariam nele, considerá-lo-iam louco e matavam-no. A caverna, representa o nosso mundo. Os prisioneiros, são as pessoas que estão presas a preconceitos que vivem no obscurantismo. As sombras projetadas na parede, são as “falsas verdades”. O fugitivo, é aquele que questiona e reflete sobre o mundo em que vive. O lado de fora da caverna, representa a realidade, a forte luz, o conhecimento. O retorno do fugitivo à caverna, representa o educador, o filósofo. Platão nesta metáfora, provavelmente representa a vida do seu mestre Sócrates, filósofo que não se submeteu aos conceitos vigentes e, incentivou as pessoas a uma busca interior, dando mais valor ao aspeto moral que aos bens materiais. Sócrates foi condenado à morte em 399 A.C. com as acusações de: corromper os jovens com a sua filosofia, negar os Deuses do estado e, ameaçar a vida social e politica de Atenas. Passados que foram quatro séculos, foi a vez de Jesus Cristo percorrer o mesmo caminho de Sócrates. Ao desvalorizar o materialismo em prol da espiritualidade e, através de parábolas provocar reflexões sobre a vida, acabou como Sócrates, condenado à morte. Mil e poucos anos depois apareceu a inquisição, que julgou em tribunal mais de 150 mil pessoas, muitas delas acabaram assassinadas, porque pensavam diferente ou não agiam segundo os padrões sociais instituídos. Atualmente, com a implementação da democracia em muitos países, existe uma maior tolerância à opinião contrária e maior liberdade de expressão. Mas, a tradição, a superstição e a ignorância, ainda são armas poderosas de manipulação. Em muitas situações, quem pensa e age diferente ainda é alvo de preconceito e violência. Hoje, tal qual, no tempo de Platão, continua a ser necessário rebentar as amarras, sair da caverna, ver a realidade e, mesmo correndo riscos, retornar à caverna, contar as boas novas e, tentar soltar os prisioneiros. Bem hajam, todos aqueles que já saíram da caverna e, que mesmo num ambiente de hostilidade, promovem o caminho para a dignidade humana e animal, que lutam contra a pobreza, protegem o meio ambiente e têm um modo de vida sustentável. Benditos, aqueles que se preocupam e dedicam ao bem da humanidade e, com os seus gestos conseguem influenciar os outros.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Midllemarch de George Eliot


George Eliot é o pseudónimo de Mary Ann Evans, que adotou um nome masculino para criar as suas obras.” Meddlemarch: um estudo da vida provinciana” é um livro para ir degustando calmamente, com o prazer que só os bons livros nos podem dar. É uma obra obrigatória para os amantes da leitura, não só por ser considerado pela critica especializada como um dos melhores livros do século XlX, mas, também por nele serem dissecadas de forma sublime as diversas facetas do comportamento humano. Antes de começar a ler as mais de 800 páginas de Meddlemarch e, como sempre faço com escritores que leio pela primeira vez, fiz alguma pesquisa biográfica sobre George Eliot, tendo lido algumas referencias que me deixaram surpreendido, como por exemplo; compará-la a Liev Tolstói. É claro que achei um exagero e, não valorizei essas opiniões. Mas, agora que acabei de ler Meddlemarch, digo que fiquei agradavelmente surpreendido e que George Eliot, nesta obra, ombreia efetivamente com os grandes nomes da literatura mundial. É uma grande obra, com um realismo extraordinário. Não vou escrever sobre as personagens nem sobre a história, vou apenas colocar uns breves excertos de forma a aguçar a curiosidade sobre este magnifico livro.

“O carácter não é uma peça de mármore…Não é algo de sólido e inalterável. É algo que está vivo e se transforma, e pode adoecer como também acontece com o nosso corpo”

“…. Houve grande regozijo na antiquada sala de estar, e até os retratos dos magistrados célebres pareciam observar a cena com satisfação…”

“Os obstáculos mais terríveis são os que ninguém pode ver, exceto nós mesmos”

“Passa o tempo a tentar tornar-se aquilo que o marido desejava sem nunca chegar ao repouso de o saber contente com aquilo que era” 

Ao último capitulo do livro, George Eliot deu o nome de: “Conclusão” que termina desta magnifica forma:

“Mas o efeito do seu ser sobre os que a rodeavam teve um alcance incalculável: porque a multiplicação do bem no mundo depende em parte de atos que não são históricos; e se, tanto para o leitor como para mim, as coisas não são tão más como seria possível que tivessem sido, devemo-lo em boa medida àqueles que viveram fielmente uma vida desconhecida, e que repousam em sepulturas que não visitamos”

(Uma dica: Quando comecei a ler o livro, imprimi uma “cábula” da Wikipédia, enciclopédia livre, que tem uma discrição muito boa de 22 personagens que fazem parte desta história e, que por vezes quando andava um pouco perdido com as diversas ligações entre as personagens, foi um documento muito útil)

 

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

A Desculpa


Existe a desculpa esfarrapada cujo expoente é a famosa frase: “eu não tenho culpa, a culpa é do meu signo”, a desculpa religiosa “a culpa é do diabo, foi ele que me tentou” e a desculpa cientifica, “A culpa é do Gene “.  A desculpa é transversal a toda a sociedade, desde o trivial ao argumento mais sofisticado, existem desculpas para todos os gostos. No parlamento brasileiro uma deputada expressou de forma convicta: “A corrupção está no DNA do brasileiro”. É sobre a desculpa científica que vou tecer algumas palavras neste artigo. Não me querendo imiscuir numa área que não domino, limito-me a referenciar somente o que a um leigo é permitido. O DNA é constituído por cromossomas que por sua vez são constituídos por genes. Os genes são um género de manual de instruções codificadas. A nossa herança biológica, (hereditariedade) é transmitida pelas características codificadas nos genes. Segundo o biólogo Dawkins, os genes é que criaram o nosso corpo e a nossa mente. Compreendendo a parte biológica dos genes, já não é tão claro, que sejam eles os responsáveis pelas nossas atitudes, perfil psicológico, emoções, opções morais e éticas. É comum a expressão: “Não podemos fazer nada, ele é assim, faz parte da sua genética (feitio)”. O geneticista Dean Hamer, depois de já ter mencionado um gene responsável pela homossexualidade, mais propriamente o cromossoma x secção xq28, saiu recentemente com um livro (O gene de Deus) que revela o gene (Vmat2) como responsável pela fé religiosa. Embora não explique se foi esse gene responsável pelo homem criar Deus ou se foi Deus que criou esse gene para o homem saber da sua existência. Também um estudo efectuado na Finlândia revelou dois genes que podem estar ligados à violência. Já se identificou o gene do alcoolismo e, até o da promiscuidade e da infidelidade. Ou seja, nós não somos responsáveis pelas nossas ações, mas umas “pobres” vítimas dos genes. É claro que estes argumentos já estão a ser utilizados habilmente pelos advogados para redução de penas. Acredito no livre arbítrio filosófico, doutrina que afirma: “o ser humano é livre de escolher ou decidir em função da sua própria vontade, estando isento de qualquer condicionamento prévio ou causa determinante” Acredito na educação que por sua vez produz o respeito. Acredito na consciência e, não acreditando na religião, acredito na espiritualidade. O corpo não é simplesmente uma máquina para a sobrevivência e transmissão dos genes é, também uma entidade para o desenvolvimento do espírito. O que provoca o alcoolismo não é o gene é, a infelicidade e a miséria humana. Os cerca de 800 milhões de pessoas ameaçados de morte por causa da fome, devido ao desperdício de alimentos. Os 60 biliões de animais mortos por ano nos matadouros, o aquecimento global, a infestação dos produtos agrícolas com químicos e toda a destruição da natureza, as guerras para fomentar a venda de armas, a precariedade no emprego e desigualdades sociais, nada disto tem desculpa, a culpa não é dos genes, dos signos ou do diabo é da estupidez humana, que como Einstein disse: “É infinita”.