segunda-feira, 9 de maio de 2016

Livro - A Relíquia


Gostei de reler A Relíquia de Eça de Queiroz. Embora em algumas fases deste romance o escritor seja demasiado descritivo, é um romance que contém algumas pérolas da literatura. O romance apresenta as memórias de Teodoro, conhecido por raposão. Ele vivia com uma tia muito rica e beata. Teodoro sabia que para herdar a fortuna da tia tinha que ter uma vida muito religiosa e uma conduta condizente com essa religiosidade. Mas, Teodoro adorava a boémia e tentava a todo o custo esconder a sua vida privada da tia e, ao mesmo tempo, tentava agradar a tia com a sua aparente dedicação à causa espiritual.

Passo a transcrever alguns excertos:

Quando Teodoro questiona e acusa de responsabilidade Cristo (DEUS) sobre a situação que o colocou na desgraça, ele ouve uma voz dentro de si que lhe aponta alguns erros como: a falsa beatice para com a sua tia, as suas mentiras e a sua convivência com prostitutas. Depois essa voz diz-lhe esta maravilha:

 “ Eu não sou Jesus de Nazaré. Nem outro deus criado pelos homens…..Sou anterior aos deuses transitórios; eles dentro de mim nascem; dentro de mim duram; dentro de mim se transformam: dentro de mim se dissolvem: e eternamente permaneço em torno deles e superior a eles, concebendo-os e desfazendo-os, no perpétuo esforço de realizar fora de mim o deus absoluto que em mim sinto. Chamo-me consciência; sou neste instante a tua própria consciência reflectida fora de ti, no ar e na luz, e tomando ante teus olhos a forma familiar, sob a qual, tu, mal-educado e pouco filosófico, está habituado a compreender-me”

Este é um livro contra a hipocrisia, ensina que a mentira é má e que se formos sinceros tiramos benéfico disso. Teodoro ficou na desgraça por causa da mentira e, por isso, resolve passar a ser sincero. Falando com o seu patrão Crispim, homem este,que já tinha despedido o seu antecessor por maldizer a religião, tem este desabafo: 

“ Olha, Crispim, eu nunca vou à missa…tudo isso são patranhas…Eu não posso acreditar que o corpo de Deus esteja todos os domingos num pedaço de hóstia feita de farinha. Deus não tem corpo, nunca teve…tudo isso são idolatrias, são carolices…podes fazer agora comigo o que quiseres. Paciência!” E o patrão responde: “ pois olha, raposo, calha-me essa franqueza!... Eu gosto de gente lisa… o outro velhaco, que estava aí nessa carteira, diante de mim dizia: «Grande homem, o Papa!» E depois ia para os botequins e punha o Santo Padre de rastos….”
Mais tarde quando o patrão o indagou a ver se ele era o homem ideal para casar com a sua irmã Jesuína, ele volta a ser sincero, mesmo sabendo que poderia perder tudo “ Há ai dentro amor sincero à mana Jesuína?” ele responde: “ Amor, amor não….Mas acho-a um belo mulherão: gosto-lhe do dote; e havia de ser um bom marido”

 É intrigante como é que em 1887, Eça escrevia sobre um tema que iria dominar o século XX. Então vejamos as referências que ele faz relativamente às conversas que o seu amigo alemão Topsuis tinha com ele: “… … A Alemanha, mãe espiritual dos povos; depois ameaçava-me com a irresistibilidade das suas armas. A omnisciência da Alemanha! A omnipotência da Alemanha! Ela imperava, vasto acampamento entrincheirado de in- fólios, onde ronda e fala de alto a Metafisica armada” e para mim mais arrepiante é a conversa em sonho com Lúcifer “… Não lamente as fogueiras de Moloch. Há-de ter fogueiras de judeus”

Gostei imenso do sonho que Teodoro teve e em que estava a presenciar o julgamento de Cristo e onde vemos uma nova versão para este acontecimento.

“ Depois de amanhã, quando acabar o Sabbath, as mulheres da galileia voltarão ao sepulcro de José de Ramata, onde deixaram Jesus sepultado…. E encontram-no aberto, encontram-no vazio! «Desapareceu, não está aqui!...» Então Maria de Magdala, crente e apaixonada, irá gritar por Jerusalém - «ressuscitou, ressuscitou!» E assim o amor de uma mulher muda a face do mundo, e dá uma religião mais à humanidade!

Frases que fazem a delicia de quem às lê:

 “ ….. Aquela sumptuosa noite do Egipto. As estrelas eram como uma grossa poeira de luz que o bom Deus levantava lá em cima, passeando sozinho pelas estradas do céu” ou “ Quando os seus olhos se cerravam, tudo em redor parecia escurecer; e quando se levantava a negra cortina das suas pestanas, vinha dessa larga pupila um clarão, uma influência como o sol do meio-dia no deserto, que abrasa e vagamente entristece”