quarta-feira, 21 de julho de 2021

A Fase Final

Quando fazemos 60 anos sabemos que entramos no último terço na nossa viva, no nosso corpo já sentimos o efeito provocado pela oxidação, processo natural provocado pelo oxigénio e que ocorre em todos os organismos vivos. O oxigénio durante o seu processo no metabolismo celular forma os chamados radicais livres que provocam o envelhecimento e concomitantemente um dia provocarão a morte. Esta é uma das muitas brincadeiras do criador com a sua criação, fazendo com que o oxigénio sendo o bem mais precioso para viver seja ele quem um dia provocará a morte. Já Fernando Pessoa escreveu: “Será Deus uma criança grande? O universo inteiro não parece uma brincadeira, uma partida de uma criança travessa”. Podemos viver a fase final da vida sobre uma perspetiva religiosa, filosófica, poética ou simplesmente viver sem pensar sobre o assunto. Eu tenho preferência pela abordagem poética, porque a poesia brota da alma e o poeta consegue inventar sempre novas esperanças, trazendo conforto e beleza mesmo nas situações mais difíceis. Relativamente ao tema em questão, o poeta Mário de Andrade num dos seus poemas faz uma analogia dizendo que contou os seus anos e verificou que tinha menos anos para viver do que aqueles que tinha vivido até esse dia, então, sentiu-se como uma criança que ganhou um monte de doces e o primeiro comeu com avidez, mas quando percebeu que havia poucos, começou a saboreá-los profundamente. Ele acaba o poema dizendo que pretende não desperdiçar nenhum dos últimos doces que ganhou com a certeza de que eles serão mais requintados do que os que comeu até agora. A vida deve ser vivida com equilíbrio, para que possamos desfrutar os nossos últimos dias com requinte. Para que isso aconteça, temos de usar a nosso favor essa máquina fabulosa que é o nosso cérebro, mas se o utilizarmos contra nós, não há nada no universo que nos possa ajudar. Seria bom vivermos de tal forma, que no final da vida tivéssemos uma versão boa da nossa história, uma versão conciliadora com o nosso percurso de vida, sem mágoas ou ressentimentos. Se for possível aliar a isso uma capacidade de desapego, ou seja, sabermos nos despedir das nossas festividades, momentos de alegria, dos nossos filhos que vão prosseguir na sua vida, e compreendermos os ciclos da vida isso tornará a despedida muito menos dolorosa. O processo de envelhecimento sofreu uma enorme mudança nos últimos anos. Se recuarmos aos anos 60 do século XX, uma mulher que não casasse até os 30 anos ficava para “Tia”, a partir dai já era muito velha para um projeto de tal envergadura, hoje o paradigma mudou e as mulheres com mais de 40 anos são jovens e têm filhos. Esta transformação deve-se fundamentalmente à mudança de mentalidade, à prática de atividade física adequada e a uma alimentação equilibrada. Podemos ver o final da vida pensando se a morte é um facto inevitável porque pensar nela, para lembrar que nos vai tirar a vida e a todos aqueles que amamos? Ou se a morte é uma certeza porque não pensar sobre ela, será que a morte precisa ser uma ameaça um acontecimento triste? Quem sabe se pensar sobre a morte nos ajuda a apreciar a vida.