terça-feira, 30 de novembro de 2010

Gratidão no Amor


Vou colocar um poema do poeta português Carlos Queirós. Só a título de curiosidade ele é irmão da famosa Ofélia Queirós, com quem Fernando Pessoa teve uma relação amorosa . Este poeta é pouco divulgado, mas é muito bom.
Definição de gratidão na Wikipédia - "A gratidão é uma emoção, que envolve um sentimento de dívida emotiva em direcção de outra pessoa; frequentemente acompanhado por um desejo de agradecê-lo, ou reciprocar para um favor que fizeram por você "




Canção Grata

Por tudo o que me deste:
— Inquietação, cuidado,
(Um pouco de ternura? É certo, mas tão pouco!)
Noites de insónia, pelas ruas, como um louco...
— Obrigado, obrigado!

Por aquela tão doce e tão breve ilusão.
(Embora nunca mais, depois que a vi desfeita,
Eu volte a ser quem fui), sem ironia: aceita
A minha gratidão!

Que bem me faz, agora, o mal que me fizeste!
— Mais forte, mais sereno, e livre, e descuidado...
Sem ironia, amor: — Obrigado, obrigado
Por tudo o que me deste!

Carlos Queiroz, in “Obra Poética, Vol. I”

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Nada é por acaso, existe uma razão para tudo




“ Chega o momento que a vida de cada homem é uma derrota assumida. É uma verdade que todos sabemos” Marguerite Yourcenar

Várias vezes dei por mim a pensar no porquê de tantos milhões de pessoas aderirem ao jogo, como praticantes ou como simples espectadores, seja ele futebol, ténis, atletismo ou um trivial jogo de cartas. Também muitas vezes tentei perceber a razão da necessidade das pessoas terem uma religião.
Penso que uma das razões do homem aderir ao jogo tem a ver com o facto de a sua vida real terminar sempre com uma derrota (que é a morte) e o ser humano como é um ser que tem necessidade de se transcender, utiliza o jogo para obter vitórias, que de alguma forma acabam por fazer dele um vencedor.
A religião aparece como complemento do jogo, pois as vitórias do jogo são demasiado efémeras e o homem precisava de uma vitória total e assim a religião deu-lhe essa hipótese, dotando-lhe de um espírito imortal e propondo-lhe uma vida eterna, seja através da reencarnação, da ressurreição ou de outras teorias que acabam sempre por torna-lo imortal.
Assim o homem é sempre vencedor e pode viver feliz e descansado. (as tretas que nós arranjamos para enganarmo-nos. No fundo o que interessa é que funcione eheheh)
Ao ler uns textos da obra “ O Homem e o Sagrado” de Roger Caillois,aprendi mais algumas coisas sobre o tema, como por exemplo, a de que o jogo é a base de quase tudo. Eu pensava que o jogo era resultado de uma cultura, mas segundo este autor, o jogo antecede a cultura e não ao contrário.

Vou expor a forma como interpretei o capítulo ll “ o Jogo e o Sagrado “ da obra " O Homem e o Sagrado" de Roger Caillois, que quanto a mim é mais uma ferramenta para ajudar-nos a abrir a mente.

"O HOMEM E O SAGRADO”

II. O JOGO E O SAGRADO
Utilizando a obra de J. Huizinga “ Homo Ludens” como grande referencia o autor Roger Caillois debruça-se sobre a importância do jogo na evolução da civilização. A identificação do lúdico e do sagrado que o autor considera ser a questão mais delicada e complexa é importante para podermos perceber a sua influência na nossa sociedade.
Partindo de um principio que o jogo é um dos instintos primários do homem o autor refere que “ a ciência, a poesia, a sagacidade, a guerra, a filosofia, as artes, nasceram e enriqueceram algumas vezes do espírito lúdico ”. Através do jogo o homem cria regras e acções que por algum tempo o conseguem absorver e separá-lo do seu mundo habitual., por esta razão Huizinga tenta demonstrar que “ o estádio, a mesa de jogo, o círculo mágico, o templo, o palco, o ecrã, o tribunal” por tratarem-se tal como o jogo de mundos temporários no dia-a-dia e por terem uma actividade regulada que tem o seu fim em si mesma, são terrenos ou lugares de jogos.
A dissertação que Caillois faz sobre o lúdico e o sagrado transporta-nos para os primórdios da nossa existência e leva-nos a reflectir profundamente sobre procedimentos que utilizamos e conotamos como triviais, por exemplo a origem do alfabeto, que sendo fonético muito provavelmente teve a sua origem nas brincadeiras com diferentes sons.
A ideia de que o lúdico (jogo) está na base da nossa aprendizagem e que aparece antes da cultura leva-nos a reflectir sobre os gestos dos recém-nascidos que antes de aprenderem qualquer coisa a sua primeira atitude é brincar. Se observarmos o reino animal também constatamos procedimentos idênticos, quando dois cães bebés brincam estabelecem regras pois ao morderem as orelhas uns dos outros mordem só até o ponto de não ferir, as suas acrobacias e procedimentos não são nada mais do que uma aprendizagem para o que será a sua vida adulta.
O jogo também tem uma função protectora pois nele escolhemos os riscos que podemos correr, as regras que limitam as nossas capacidades e leva-nos a atingir uma perfeição que embora limitada e provisória traz-nos uma satisfação pessoal. Este facto não é suficiente para alimentar o ego do ser humano pois ele continua a viver em insegurança, e para colmatar esta lacuna surge o sagrado. O sagrado e o lúdico tem em comum o facto de não fazerem parte da vida real mas terem uma função idêntica em relação à mesma, que é retirar temporariamente o homem da sua vida real que em muito se assemelha a uma selva.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Na realidade, eu sou aquilo que não sou





Quem é que eu sou realmente? Sou as várias personagens que eu criei e represento e nas quais acredito com tal convicção que acabo por perder-me dentro delas, ou serei uma outra pessoa que nem sei que existe?
Isto tem tudo a ver com a obra “A apresentação do eu na vida de todos os dias” de Erving Goffman e da qual passo a descrever de forma muito sucinta algumas ideias que retirei da mesma.

Erving Goffman em vez de fazer uma análise do que é a realidade, debruça-se sobre a forma como vemos a realidade, ou seja em que circunstâncias pensamos que as cenas que vemos ou fazemos são reais. Na sua perspectiva toda a gente em toda a parte com maior ou menor consciência está sempre a representar, todos somos actores.
Por essa razão, e na sua óptica é que utilizamos a palavra “pessoa” que tem origem na palavra grega prósopon que significa máscara. A pessoa que nos tornamos ao representar certos papeis e a forma como vemos as representações dos outras pessoas, passam a ser as personagens mais verdadeiras, pois são nelas que projectamos os nossos ideais, no fundo, aquilo com que nos gostaríamos de parecer.
A personagem que representamos e o que realmente somos acabam por fundir-se e formar a pessoa (máscara) pois segundo o autor nascemos como indivíduos, adquirimos carácter e só depois é que nos transformamos em pessoas (máscaras)
Para podermos representar uma máscara que seja coerente é necessário cumprir certos deveres sociais, e actuar de forma consistente. Goffman recorre a vários exemplos para demonstrar as dificuldades que existem no desempenho da máscara e apresenta soluções para as ultrapassar.
O autor classifica a forma como desempenhamos os nossos papéis, de “cínico” quando não acreditamos nos papéis que representamos, nem temos interesse em convencer a nossa audiência e de “Sincero” quando acreditamos na impressão que o nosso desempenho vai causar.
Goffman chama de fachada a um conjunto de elementos através dos quais o publico avalia ou descobre onde decorre a cena qual é o estatuto do autor assim como o papel que o mesmo procura desempenhar. Dela fazem parte o “Quadro” constituído pelo cenário e o palco onde se irá representar a acção humana e outras subdivisões como “aspectos cénicos da fachada”, fachada pessoal” etc.
A minha interpretação do texto é que perante a sociedade em que vivemos, acabamos por criar adaptações para podermos responder de maneira satisfatória às expectativas solicitadas pela mesma. Tentamos criar perante a sociedade a imagem que a própria sociedade define como ideal e assim podermos impressionar os outros elementos da sociedade positivamente. Esta situação também é válida perante nós próprios, que normalmente queremos ser aquilo que idealizamos e não o que somos na realidade. O benefício do desempenho é que “ Se nunca tentássemos parecer um pouco melhores do que somos, como seriamos capazes de nos tornar de facto melhores” .

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Um pouco de Poesia para combater o stress





Uma vez que actualmente as pessoas são normalmente tratadas como se fossem máquinas,desprovidas de sentimentos,aqui vai um poema de José Carlos Ary dos Santos para lembrar que também somos seres sentimentais. Este poema é maravilhosamente interpretado num fado pelo Carlos do Carmo.




Estrela da Tarde


Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca, tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste na tarde tal rosa tardia

Quando nós nos olhámos tardámos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos unidos ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia

Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza

Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram

Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto se amarem, vivendo morreram

Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto

Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto!


José Carlos Ary dos Santos