sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

A Sabedoria do Poeta

Ler Fernando Pessoa ajuda-nos a perceber a vida. Publico pequenos excertos de alguns dos seus poemas que me têm ajudado a refinar o meu modo de pensar. Alterei a estrutura da escrita poética para diminuir o tamanho do texto. São mensagens com muita metafísica e que exigem uma profunda reflexão em cada frase. Não vou comentar a minha análise sobre cada excerto, porque como diz a frase: "Quem não compreende um olhar, tampouco compreenderá uma longa explicação".

 

Excerto 1

 

Da minha aldeia vejo o quanto se pode ver o Universo. Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer, porque eu sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura. Nas cidades a vida é mais pequena que aqui na minha casa no cimo deste outeiro. Nas cidades as grandes casas fecham a vista à chave, escondem o horizonte, empurram nosso olhar para longe de todo o céu. Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos podem dar e tornam-nos pobres porque a única riqueza é ver.

 

Excerto2

 

Para além da curva da estrada talvez haja um poço e talvez haja um castelo, ou talvez apenas a continuação da estrada. Não sei nem pergunto. Enquanto vou na estrada antes da curva só olho para a estrada antes da curva, porque não posso ver senão a estrada antes da curva. De nada me serviria estar olhando para outro lado e para aquilo que não vejo. importemo-nos apenas com o lugar onde estamos, há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer. Se há alguém para além da curva da estrada, esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada, essa é que é a estrada para eles. Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos. Por ora só sabemos que lá não estamos. Aqui há a estrada antes da curva e antes da curva há a estrada sem curva nenhuma.

 

Excerto3

 

Quando vier a primavera, se eu já estiver morto, as flores florirão da mesma maneira e as árvores não serão menos verdes que na primavera passada. A realidade não precisa de mim. Sinto uma alegria enorme ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma. Se soubesse que amanhã morria e a primavera era depois de amanhã, morreria contente, porque ela era depois de amanhã. Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir se não no seu tempo? Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo, e gosto porque assim seria mesmo que eu não gostasse. Por isso, se morrer agora, morro contente, porque tudo é real e tudo está certo. Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem. Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele. Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências. O que for, quando for, é que será o que é.