sexta-feira, 24 de setembro de 2021

A Conferência dos Pássaros

Sendo os neurónios unidades de processamento de informação, segundo a ciência o cérebro humano tem em média 86 biliões destas unidades. Este potencial intelectual dota a espécie humana de uma capacidade de imaginação quase ilimitada. O ser humano questiona inclusivamente a razão da própria existência, qual o sentido da vida e o porquê existir alguma coisa em vez de nada existir. São questões que embora pareçam abstratas e retóricas têm um conteúdo profundo. A filosofia através das suas linhas de pensamento como: Hedonismo, Estoicismo e o Existencialismo formula algumas ideias sobre o sentido da vida. A religião nas suas grandes vertentes: Cristianismo, Islamismo, Hinduísmo, Budismo, Espiritismo e Metafisica, vocifera cada qual à sua maneira as verdades sobre a razão de tudo existir. A ciência com o seu Big Bang e a teoria da evolução de Darwin, também brada a sua verdade sobre existência do universo e como tudo evoluiu. Mas, a realidade é que somos o resultado de um grande mistério e ninguém sabe de onde viemos ou para onde vamos. Acabamos sempre por escolher a resposta com que nos sentimos mais confortáveis e nos dê melhor sentido à vida. Há muito tempo que se fala numa nova era que se aproxima, a era do aquário, também conhecida pela era do ser, onde haverá uma maior consciencialização e transformação positiva do ser humano. Atualmente já vivemos uma mudança de paradigma onde cito entre outras situações o aumento significativo de pessoas nos diversos continentes que alteraram o seu regime alimentar por opção ética, os ativistas ambientais defendendo um maior equilíbrio entre a ação humana e a natureza. A religião não fica alheia ao novo modo de pensar, onde as pessoas começam a procurar o seu desenvolvimento espiritual através da introspeção. Este novo paradigma espiritual é bem retratado num artigo de F. Câncio no DN, são pessoas que acreditam num poder superior, numa força espiritual, oram à sua maneira, pedem e agradecem a essa energia criadora, sentem a presença divina no seu dia a dia, mas rejeitam as religiões convencionais. Believing without Belonging (acreditar sem pertencer) é a expressão inglesa para este movimento em enorme crescimento na europa e nos estados unidos a “não religião” provavelmente um dia será “A nova religião”. Será de perguntar qual é a relação deste texto com o título do artigo? O livro “ A conferência dos pássaros” de Farid UD- Din escrito no século Xll é uma fábula sobre o desenvolvimento espiritual. Conta a história de um grupo de pássaros que iniciam uma viagem a caminho do lugar onde se encontra o seu Deus. Durante a viagem muitos morrem pelo cansaço e pelas dificuldades mas os que completaram a viagem ficaram estupefatos com o que encontraram. Nesse local, à sua frente, só existia um espelho enorme e a única coisa que viam era a si próprios. É nisto que eu acredito, somos seres espirituais numa longa viagem, onde vamos evoluindo através de várias reencarnações, o sentido da vida é evoluirmos a tal ponto que nos encontraremos a nós próprios.

quarta-feira, 21 de julho de 2021

A Fase Final

Quando fazemos 60 anos sabemos que entramos no último terço na nossa viva, no nosso corpo já sentimos o efeito provocado pela oxidação, processo natural provocado pelo oxigénio e que ocorre em todos os organismos vivos. O oxigénio durante o seu processo no metabolismo celular forma os chamados radicais livres que provocam o envelhecimento e concomitantemente um dia provocarão a morte. Esta é uma das muitas brincadeiras do criador com a sua criação, fazendo com que o oxigénio sendo o bem mais precioso para viver seja ele quem um dia provocará a morte. Já Fernando Pessoa escreveu: “Será Deus uma criança grande? O universo inteiro não parece uma brincadeira, uma partida de uma criança travessa”. Podemos viver a fase final da vida sobre uma perspetiva religiosa, filosófica, poética ou simplesmente viver sem pensar sobre o assunto. Eu tenho preferência pela abordagem poética, porque a poesia brota da alma e o poeta consegue inventar sempre novas esperanças, trazendo conforto e beleza mesmo nas situações mais difíceis. Relativamente ao tema em questão, o poeta Mário de Andrade num dos seus poemas faz uma analogia dizendo que contou os seus anos e verificou que tinha menos anos para viver do que aqueles que tinha vivido até esse dia, então, sentiu-se como uma criança que ganhou um monte de doces e o primeiro comeu com avidez, mas quando percebeu que havia poucos, começou a saboreá-los profundamente. Ele acaba o poema dizendo que pretende não desperdiçar nenhum dos últimos doces que ganhou com a certeza de que eles serão mais requintados do que os que comeu até agora. A vida deve ser vivida com equilíbrio, para que possamos desfrutar os nossos últimos dias com requinte. Para que isso aconteça, temos de usar a nosso favor essa máquina fabulosa que é o nosso cérebro, mas se o utilizarmos contra nós, não há nada no universo que nos possa ajudar. Seria bom vivermos de tal forma, que no final da vida tivéssemos uma versão boa da nossa história, uma versão conciliadora com o nosso percurso de vida, sem mágoas ou ressentimentos. Se for possível aliar a isso uma capacidade de desapego, ou seja, sabermos nos despedir das nossas festividades, momentos de alegria, dos nossos filhos que vão prosseguir na sua vida, e compreendermos os ciclos da vida isso tornará a despedida muito menos dolorosa. O processo de envelhecimento sofreu uma enorme mudança nos últimos anos. Se recuarmos aos anos 60 do século XX, uma mulher que não casasse até os 30 anos ficava para “Tia”, a partir dai já era muito velha para um projeto de tal envergadura, hoje o paradigma mudou e as mulheres com mais de 40 anos são jovens e têm filhos. Esta transformação deve-se fundamentalmente à mudança de mentalidade, à prática de atividade física adequada e a uma alimentação equilibrada. Podemos ver o final da vida pensando se a morte é um facto inevitável porque pensar nela, para lembrar que nos vai tirar a vida e a todos aqueles que amamos? Ou se a morte é uma certeza porque não pensar sobre ela, será que a morte precisa ser uma ameaça um acontecimento triste? Quem sabe se pensar sobre a morte nos ajuda a apreciar a vida.

sexta-feira, 30 de abril de 2021

O Egoísmo

O famoso escritor, biólogo evolutivo e ateísta militante, Richard Dawkins, defende no seu livro “O gene egoísta” que os seres humanos e todos os outros animais são simplesmente máquinas criadas pelos seus genes e, que se a nossa espécie sobreviveu milhões de anos num mundo tão competitivo deve-se a uma qualidade que ele considera ser a de um gene bem-sucedido: o seu egoísmo implacável. Por esta razão e segundo ele, a natureza biológica irá sempre contrariar a construção de uma sociedade na qual os indivíduos cooperem generosa e desinteressadamente para o bem-estar comum. Estou em desacordo com esta teoria, pois um gene bem-sucedido que tudo faz para manter a sua sobrevivência não iria deixar destruir o seu habitat, e colocar a sua existência em risco como está acontecendo atualmente. Isto vem a propósito da comemoração do Dia Internacional da Mãe Terra, onde várias organizações ambientalistas, chefes de estado e o presidente da ONU, teceram largas recomendações e alertas para a urgência de todos nós tomarmos ações sobre as mudanças climáticas. Mas, palavras leva-as o vento. O busílis da questão é o egoísmo, que ao contrário de virtude conforme defende Dawkins é um defeito, pois considera tudo só pelas vantagens que pode auferir e só tem em conta os próprios interesses com desprezo e em detrimento dos interesses alheios. As alterações climáticas e o esgotamento dos recursos naturais são sintomas, a doença é o egoísmo, sendo necessário atuar na sua causa. O desenvolvimento da economia é uma necessidade, precisamos de produzir para que se viva em conformidade, mas este desenvolvimento não deve ser feito só para proveito pessoal, deve ter em conta o bem-estar de toda a humanidade, da economia em geral, da sociedade e da natureza como um todo. As pessoas na sua generalidade estão de acordo em ter atitudes de preservação do meio ambiente e de baixo consumo dos recursos naturais, mas desde que não interfira no seu comodismo e com as suas realizações pessoais. Há muitos anos li uma história que me fez refletir e que muito resumidamente era assim: Alexandre o Grande quando chegou a Atenas teve conhecimento que por lá andava o grande sábio Diógenes e foi falar com ele. Diógenes encontrava-se deitado no chão a apanhar sol e Alexandre apresentou-se e disse-lhe: “pede o que quiseres que eu te dou”, Diógenes levantando os olhos respondeu: “Apenas não me tire o que não me pode dar”, Alexandre percebendo que se posicionara entre o sol e Diógenes e estava fazendo-lhe sombra, perplexo com o que tinha ouvido afastou-se. A lição que podemos tirar desta história é que para Diógenes o sol era mais importante que as riquezas que Alexandre lhe queria dar, ou seja, a natureza era mais importante que os bens materiais. Só faltam 0,3ᵒC para cairmos no abismo, ou seja, atingirmos o aumento de temperatura de 1,5ᵒC acima da temperatura média global registada na época pré-industrial, mas o nosso egoísmo cega-nos e como Tolstói escreveu: “Há quem passe por um bosque e só veja lenha para a fogueira”.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Reflexão

Como é que posso controlar os meus pensamentos se eles são criados pelo cérebro e se é o cérebro quem tudo controla. Ou seja, se eu digo que tenho de controlar as minhas emoções, esse eu a que me refiro é o cérebro ou existe algo em mim que pode controlar o cérebro. Segundo um famoso neurocientista, o nosso cérebro é a estrutura mais complexa e enigmática do universo, contém mais neurónios do que as estrelas existentes na galáxia. Mas será o cérebro quem controla e guia o ser humano sendo este a sua própria essência, ou o cérebro é apenas um mecanismo que a essência humana utiliza para produzir ações. Eu gosto da ideia de que somos seres espirituais que utilizam a matéria para o seu desenvolvimento e que a essência humana é o espírito. Este tema é debatido desde a antiguidade, se recuarmos 2500 anos encontramos a famosa frase no templo de Delfos “conhece-te a ti mesmo” e se lermos alguns conceitos filosóficos desse período como: “O Daimon interior” e “Viver em areté”, encontramos amplos debates sobre o tema. O nosso cérebro é programado desde a nossa nascença por tudo o que nos ensinam e pelo que vivenciamos e tal como um computador, utiliza essa informação para produzir ações. Mas é necessário procedermos a uma filtragem dessa programação e sermos capazes, após reflexão, de criarmos pensamentos próprios e reprogramar o cérebro. Para isso é necessário conseguirmos silenciar a nossa mente de forma a ouvirmos a nossa voz interior (a nossa essência). Segundo os místicos, o silêncio responde até mesmo aquilo que não foi perguntado. Filósofos como Sócrates diziam que para sabermos qual o caminho a percorrer é necessário consultarmos o nosso Daimon interior. O Daimon interior segundo essa filosofia, é o nosso eu mais profundo, ele transporta o que trazemos de existências anteriores com a informação do que precisamos de continuar a aperfeiçoar. É uma energia imortal que habita em nós e exige de nós o cumprimento da nossa obrigação, fazendo sentirmo-nos mal quando enveredamos por outros caminhos. Segundo essa filosofia, após conhecermos a nossa vocação e o caminho a percorrer é necessário viver em Areté, ou seja, viver a vida no máximo da perfeição que os limites da nossa natureza permitem. As nossas ações diárias devem estar o mais próximo do cumprimento do propósito ou função a que cada um se destina. Infelizmente vivemos de forma robotizada agindo mecanicamente e com dificuldade em ter pensamento próprio, cumprindo simplesmente o que nos foi ensinado. Na área laboral, nas relações amorosas, no desenvolvimento espiritual e em várias opções de vida, grande parte da humanidade vive trilhando caminhos que não são os seus, vivendo frustrada, deprimida e achando que a vida não vale a pena. Durante milénios a humanidade tentou perceber o sentido ou propósito da vida, porque só essa resposta a levaria para o caminho da felicidade (eudaimonia). Essa resposta é individual e só a encontramos dentro de nós, por isso é importante continuar a refletir sobre aquilo que somos, porque feliz será aquele que conseguir ser quem é.