domingo, 16 de maio de 2010

Era assim que eu corria

Esta foto é de 1974, tinha eu 12 ou 13 anos. Eu corria assim, leve, muito leve, sem o peso das ambições, mas com a leveza dos sonhos. Espero que o artigo que vou escrever não tenha outra interpretação que não seja a reflexão sobre uma determinada situação. É claro que a opinião que tenho sobre o assunto em questão é muito mais vasta e complexa, mas vou abordar aquele que eu considero ser o factor mais preponderante.

Quando vejo que o meu nome ainda consta na lista dos recordes regionais de infantis e iniciados, fico algo perplexo. Como é que é possível que em 37 anos, nenhum miúdo tenha batido os meus recordes. Eu corria numa pista de terra, não fazia exercícios técnicos de corrida e não passei por nenhuma das fases pedagógicas que os atletas passam hoje em dia. Além disso, ao longo dos anos as condições melhoraram substancialmente. O material sintético substituiu os pisos de terra, o calçado de competição é específico para cada disciplina, e os conhecimentos técnicos e metodológicos evoluíram imenso. Então o que é que se passa? Eu acho que tudo tem a ver com as brincadeiras. Na minha infância, como não havia televisão, Play station, computador, ruas onde era perigoso brincar, escola a tempo inteiro, quase todas as brincadeiras tinham actividade física. Brincávamos sempre ao ar livre e os brinquedos eram fabricados por nós ou pelos nossos pais. O intervalo entre duas aulas era normalmente aproveitado para jogar futebol (conhecido por trapalhança, pois só chamávamos futebol quando era jogado num campo com dimensões regulamentares) ou outros jogos que de alguma forma requeriam rebustês. Qualquer pedacinho de rua também servia para jogar futebol (trapalhança), se não cabiam lá seis jogadores, jogávamos com quatro ou mesmo só com dois. Por vezes, os jogos duravam horas. Lembro-me muito bem de quando jogávamos à apanhada (chamávamos apilhagem), que para quem não conhece é um jogo de corrida, com vários elementos e um deles é designado para apanhar (na altura era apilhar) os outros. Não havia zona limitada, corríamos a freguesia toda, mas ninguém desistia a até todos serem apanhados. Quem era apanhado também passava a apanhador. O problema era quando alguém resolvia esconder-se em casa, então aí, o jogo durava horas. Hoje em dia, é comum vermos as crianças levarem os livros escolares em malas com umas rodinhas, pois as malas nas costas provocam problemas na coluna. Quando vejo isso, lembro-me de que com a idade deles jogávamos ao jogo do cavalo. Este jogo era composto por duas ou mais equipas que se defrontavam, uns fazendo de cavalo e outros de cavaleiros que se colocavam nas costas dos colegas (cavalos). O objectivo do jogo era derrubar o cavaleiro adversário. Nunca ouvi falar em problemas de coluna. Se calhar não tínhamos, eheheheh. Havia também o jogo da corda, em que era colocado um elemento em cada lado da corda, era traçado uma linha no chão entre os dois elementos, cada um fazia força para o seu lado e aquele que tocasse na linha perdia. Este jogo era jogado individualmente ou por equipas. Quando não havia nenhum pedaço de corda velha, fazíamos o jogo com um pau, um trapo enrolado ou até sem nenhum objecto, segurando simplesmente as mãos. Um jogo também muito popular era o jogo do avião. Desenhávamos no chão (normalmente com um pedaço de telha) uns quadrados grandes, em forma de um avião, depois tínhamos que saltar a uma perna e com uma determinada sequência todos esses quadrados. Não é meu objectivo descrever a grande quantidade de jogos tradicionais que fazíamos na minha infância, que ainda teriam de ser somados à subida de árvores, lutas de rua e as sovas dos nossos pais. Eu simplesmente acho que embora de forma empírica, nessa época tínhamos uma actividade física em todos os aspectos mais completa, da que se faz hoje em dia, nas escolas e clubes. Sem qualquer tipo de orientação, treinávamos a coordenação, velocidade, força, resistência, flexibilidade e destreza. Acho inclusivamente, que muitos desses jogos deveriam ser recuperados e utilizados como meios de formação tanto nas escolas como nos clubes. Para uma nova situação há que criar um novo paradigma. Se não criarmos programas adaptados à nova realidade os desideratos propostos não serão atingidos. Para quem está dentro do atletismo estas são as minhas marcas que ainda são recordes: Infantil 11/ 12 anos 35” 00 nos 250 metros. Iniciado 13/ 15 anos 9.3 nos 80 metros ( 9.1 em campeonatos escolares) e 37” 6 nos 300 metros. Como podemos verificar e embora tenham sido feitas numa pista de terra, não são grande coisa. O problema é, porque não se faz melhor hoje em dia?

6 comentários:

  1. lembro-me essencialmente das 'pancadas' da minha mãe, quando era pequena, por ir brincar a bola hahah

    Abraço´
    L.V.

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  2. "(..) Eu corria assim, leve, muito leve, sem o peso das ambições, mas com a leveza dos sonhos."

    Como já disse, frase que diz muito. Bonita!

    Beijinho, Lia

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  3. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

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  4. A cabeça ligeiramente inclinada à frente, já indiciava a procura de novos horizontes (não é paradoxo, estás à procura de colocares os pés no chão).A leveza é próprio da LUVA BRANCA, os dilemas: porquê Fast Food (eh!eh!eh!)em troca das sopas, das play stations versus jogos que criávamos e fazíamos; das 4 paredes vs horizontes e paredes que saltavamos, jogos dirigidos vs criatividade....etc. Grande abraço, AMIGO!

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  5. Gostei muito do artigo e ao lê-lo penso, realmente a minha infância ainda foi um pouco assim, brinquei à apilhagem muito tempo, subi e desci barrancos e árvores, joguei muito ao jogo do avião, da macaca e do lá vai obra, entre outros. Muitas destas actividades ainda permaneceram no meu tempo, mas embora nunca tenha tido resultados muito relevantes, agora sei que tenho um reportório motor muito alargado e talvez resultado dessas mesmas actividades diversas. Nunca tive problemas em jogar Futebol, Voleibol, Badminton ou mesmo Ginástica, adaptava-me facilmente e agora penso, que ricas brincadeiras... Agora vejo miúdos de 9,10 anos a especializarem-se no salto ou mesmo num tipo de lançamento, será isso bom? Que venham as brincadeiras, especialização há tempo para isso. Vamos deixar as crianças experimentarem movimentos…

    Cumprimentos

    Tânia Caires

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  6. E lá ia o "foguete" voador...

    Acredito que actualmente também corres assim mas só um pouquinho mais lento. É natural. É da idade.

    Um abraço

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