segunda-feira, 27 de julho de 2009

A palavra escrita ensinou-me a escutar a voz humana


Eu sei que sou suspeito para falar sobre este livro, devido à minha preferência literária ser o romance histórico. Comprei o livro, Memórias de Adriano em 2004, por duas razões: primeira, porque tinha curiosidade em ler algo da Marguerite Yourcenar , pois sabia que era uma grande escritora e que inclusivamente tinha sido a primeira mulher a ser eleita à Academia francesa de letras. A segunda razão, porque o meu nome é Adriano, senti curiosidade em saber algo sobre a vida desta personagem, pois além da famosa muralha de Adriano, pouco ou nada sabia sobre ele. O que vos posso dizer é que o livro é excepcional, está muito bem escrito, cheio de reflexões e conteúdos, que não podem deixar alguém indiferente. De seguida transcrevo um excerto do livro, onde podemos constatar a dimensão desta obra.

“Como toda a gente, só disponho de três meios para avaliar a existência humana: o estudo de nós próprios, o mais difícil e o mais perigoso, mas também o mais fecundo dos métodos; a observação dos homens, que na maior parte dos casos fazem tudo para nos esconder os seus segredos ou para nos convencer de que os têm; os livros, com os erros particulares de perspectiva que nascem entre as suas linhas. Li quase tudo quanto os nossos historiadores, os nossos poetas e mesmo os nossos narradores escreveram, apesar de estes últimos serem considerados frívolos, e devo-lhes talvez mais informações do que as que recebi das situações bastante variadas da minha própria vida. A palavra escrita ensinou-me a escutar a voz humana, assim como as grandes atitudes imóveis das estátuas me ensinaram a apreciar os gestos. Em contra partida, e posteriormente, a vida fez-me compreender os livros. Mas estes mentem, mesmo os mais sinceros. Os menos hábeis, por falta de palavras e de frases onde possam abrangê-la, traçam da vida uma imagem trivial e pobre; alguns, como Lucano, tornam-na mais pesada e obstruída com uma solenidade que ela não tem. Outros, pelo contrário, como Petrónio, aligeiram-na, fazem dela uma bola saltitante e vazia, fácil de receber e de atirar num universo sem peso. Os poetas transportam-nos a um mundo mais vasto ou mais belo, mais ardente ou mais doce que este que nos é dado, por isso mesmo diferente e praticamente quase inabitável. Os filósofos, para poderem estudar a realidade pura, submetem-na quase às mesmas transformações a que o fogo ou o pilão submetem os corpos: coisa alguma de um ser ou de um facto, tal como nós o conhecemos, parece subsistir nesses cristais ou nessas cinzas. Os historiadores apresentam-nos, do passado, sistemas excessivamente completos, séries de causas e efeitos exactos e claros de mais para terem sido alguma vez inteiramente verdadeiros; dispõem de novo esta dócil matéria morta, e eu sei que Alexandre escapará sempre mesmo a Plutarco. Os narradores, os autores de fábulas milésias, não fazem mais, como os carniceiros, que pendurar no açougue pequenos bocados de carne apreciados pelas moscas. Adaptar-me-ia muito mal a um mundo sem livros; mas a realidade não está lá, porque eles a não contêm inteira”
Espero ter aguçado a curiosidade sobre esta obra

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